quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A MODA FAZENDO A CABEÇA DA SAMBA

(publicado em 27/11/06)

A Samba não tira da cabeça que quer ser modelo. “A partir de hoje só vou comer ração diet e ficar magérrima pra arrasar nas passarelas.”, fica falando a cadela o dia inteiro.

Percebo que a Salsa também gostaria, mas ela sabe que está com o peso muito acima e que seria muito difícil entrar num regime. Ela adora comer o dia todo, mas já afinou o discurso pra não deixar de dar sua cutucada na Samba. “Não quero saber dessas bobagens. Isso não vai acrescentar nada ao meu intelecto.”, resmunga a Salsa.

Para o casal de sacis, moda é uma coisa muito relativa. Lambada, por exemplo, diz que não trocaria o Maracatu, com seu gorro fora da moda, nem pelo Gianecchini, que mais parece um outdoor ambulante, de tanta grife que carrega no corpo. Para Maracatu, Lambada é a saci que ele sonhou ter como sua companheira, além de ser a mais bela de todas.

Cá entre nós, nunca gostei dessa coisa de moda. Penso que se a pessoa está bem, seja gorda ou magra, alta ou baixa, tudo que ela vestir cairá bem. Para mim, moda é coisa do capitalismo, por isso, não estava achando legal ver a Samba empolgada daquele jeito. Além disso, não há dúvida de que a Samba e a Salsa são as cadelas mais modernas e lindas deste planeta.

Ontem, contei pra Lisa o ocorrido e ela pediu para nos reunirmos na varanda e discutirmos o assunto.

Estávamos lá: Lisa e eu, sentados nas cadeiras; Maracatu na espreguiçadeira; Lambada na rede; e Salsa deitada aos meus pés. Perguntei pela Samba e Salsa disse que ela já viria. “Ela disse que está se arrumando para a conversa”, falou a Salsa. A Lisa olhou para a lavanderia, colocou a mão sobre a cabeça e disse: “Meu Deus, os figurinos da peça!” Dias antes, a Lisa havia deixado os figurinos da peça “A VER ESTRELAS” pendurados em cabides na lavanderia.

A Lisa tentou levantar, mas não houve tempo, porque ouvimos a música “Smile”, vinda da lavanderia. Todos olhamos e vimos somente uma das pernas de Samba, com meia cor-de-rosa. “O figurino da Colombina Rosa!”, exclamou a Lisa. Não deu outra: sai a Samba da lavanderia vestida de Colombina Rosa, com maquiagem e tudo.

O acesso da lavanderia à varanda é feito por um corredor cimentado em meio ao gramado, que, naquele momento, se transformara numa passarela por onde vinha Samba. “Que linda!” gritei, sendo repreendido imediatamente pela Lisa, que, apesar de puta com a atitude da Samba, reconheceu mais tarde que ela estava realmente linda. Salsa, que adora a irmã, ficou extática e com um brilho de orgulho nos olhos. Maracatu e Lambada sorriam.

E Samba veio, passo a passo, até a varanda.

Quando Samba parou, me recompus e iniciei a discussão, chamando a atenção dela para a bobagem que estava querendo fazer. A Lisa não conseguiu falar, porque Lambada a interrompeu dizendo: “Vocês não estão entendendo?”. Maracatu corroborou: “A Samba me surpreende todos os dias”. “Essa é a minha irmã!”, disse Salsa.

Lisa e eu nos sentimos reprimidos e nos calamos sem entender o porquê de todos estarem aprovando a atitude da Samba. “O que está ocorrendo?”, perguntei.

Samba, ainda com o fundo musical de “Smile”, interpretou: “Nada é mais moderno do que entrarmos numa bela fantasia. A preocupação com a moda é coisa de quem não sabe sonhar.”

Samba suspirou e fechou com uma frase da peça “A VER ESTRELAS”: “ O que é melhor, sonhar ou ficar a ver estrelas?”.

Maracatu e Lambada puxaram as palmas. Salsa limpava os olhos lacrimejados e, além de aplaudir, gritava “Uh! Uhuuuuuuuuuu!”.

Lisa e eu acompanhamos e aplaudimos entusiasticamente a lição daquela cadela, que, já sabíamos, não cairia facilmente nessas histórias de perfumarias e ficaria com a arte.

João Bid

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