sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A VIDA É TÃO SIMPLES...

(publicado em 28/06/06)

Conversávamos, eu e Lisa, enquanto fazíamos o almoço, sobre a comunidade que montamos na Internet, que pede a construção de um teatro em Mairinque. Falávamos sobre o objetivo da comunidade, que não é o de conseguir o milagre de aparecer um empresário, ou mesmo alguém do poder público, interessado em construir um em nossa cidade, mas sim, o de ampliar a discussão a um ponto em que o teatro se torne uma necessidade clara em cada membro da população mairinquense. “Aí vem você, com suas utopias”, disse a Lisa, me colocando no chão, principalmente quando vislumbrei a possibilidade de o município construir um teatro pequeno em cada escola municipal.

A Lisa acredita que as artes devem invadir todos os espaços existentes na cidade para que todos tenham acesso e possam formar uma opinião quanto ao tema. Concordo, mas pergunto o que fazer com o que já está sendo produzido nas várias áreas das artes em Mairinque. Tenho claro na minha cabeça, que a construção de um espaço adequado é de extrema necessidade para o município. A Lisa ri e me diz que “o problema é exatamente esse: está tudo claro na sua cabeça, só precisa sair dela.” Aí ficamos lamentando a nossa incapacidade de mostrar essa necessidade para as outras pessoas.

Nesse momento ouvimos: “Isso parece conversa de louco.”. Era a Salsa, a cadela mais tímida, que dormia próxima a janela da cozinha, e acordou com a nossa conversa.

Pus a cabeça pra fora e perguntei o porquê daquele comentário e Salsa falou que achava engraçado o fato de, no século em que nos encontramos, ouvir as pessoas questionando a necessidade de um teatro para uma comunidade. Se desculpando, disse que teve a impressão que nós, eu e Lisa, estávamos ficando loucos, já que só somos chamados de humanos, porque se supõe que lidamos com naturalidade com as coisas que estão diretamente ligadas à busca do belo, do fantástico, e isso, só se encontra valorizando-se as artes. “A construção de um teatro não deveria ser uma necessidade, mas uma realidade”, concluiu aquela minha cadela maravilhosa.

Antes de ir para junto da Samba, que naquele momento estava se esgoelando para o caminhão de lixo, ainda nos deu uma dica: “Não sei se vocês sabiam, mas o único caminho é juntar gente que pense do mesmo jeito. E aí sim colocar essa proposta, baseada na união dos interessados. Não acredito que os políticos não cedam a uma classe organizada.”

Há muito tempo tenho vontade de ver a classe artística mairinquense se organizar; já participei de várias tentativas, mas, infelizmente, nunca seguimos em frente. Sei que é a única forma de sermos ouvidos. Por enquanto, vou tentando participar das oportunidades que vão aparecendo e continuo trocando idéias com os sacis e as cadelas que moram em casa.

Penso que posso aprender muito, pois, para eles, a vida é tão simples...

Obs: A reforma do antigo cinema foi realizada e o teatro inaugurado em outubro deste ano. Recentemente a Salsa voltou ao assunto. “Agora, é ter um pouco mais de paciência pra esperar que o espaço seja dotado dos equipamentos necessários e entregue aos artistas locais”, disse Salsa, configurando uma expressão que até agora não sei se era de convicção ou dúvida.

João Bid

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ESSES TAIS SERES HUMANOS

(publicado em 02/06/06)

“Eu e Salsa vamos embora! Lamento deixar Maracatu e Lambada, que formam um casal maravilhoso.”

“Sobre o que você tá falando, Samba?”, perguntei, tentando enxugar os olhos daquela cadela que eu adoro. Mas, ela se esquivava.

Samba, ainda soluçando, fez um longo discurso, não permitindo a intervenção de ninguém. Ficamos todos ouvindo e Samba falava olhando em meus olhos. Dos seus, somente lágrimas.

“Você poderia ter vindo falar diretamente comigo e com a Salsa. Sei que não é bonito escutar conversas alheias, mas depois que viemos pra esta casa de madeira, é impossível não escutar o que você e a Lisa estão falando lá dentro. E, desta vez, foi demais. Vamos embora Salsa, não temos mais nada a fazer aqui.”. Já iam saindo, quando entrei na frente das duas e perguntei se pelo menos eu poderia saber o que havia dito pra causar esse “problemão”.

“Eu até entendo que as pessoas tenham o direito de fazer suas escolhas, mas a Samba ficou muito magoada. Acho melhor nós irmos embora e não falarmos mais sobre isso.”, disse Salsa, que fingia manter o equilíbrio, mas percebia-se que estava visivelmente abatida também.

Insisti que eu também tinha o direito de saber o porquê daquilo tudo. A Lisa, bastante sensibilizada com a cena e quase chorando, também pedia para que Samba e Salsa dessem a oportunidade para que nos defendêssemos.

Depois de muito insistirmos, Samba resolveu falar. “Nós ouvimos vocês dizendo que já passa da hora dos negros tomarem todos os espaços e que a dívida com os negros é muito grande, portanto, é muita injustiça os brancos ficarem com todos os privilégios. Se vocês gostam mais do Maracatu e da Lambada, nós não temos nada contra, mas querer que eles tomem todos os espaços da casa, deixando a gente num segundo plano só porque somos brancas. Pra nós, seria o fim. Aliás, é o fim, porque estamos indo embora.”, sentenciou Samba.

Eu, a Lisa, Maracatu e Lambada começamos a rir, o que deixou Samba mais puta ainda.

Levamos algum tempo para explicar pras duas que o quê elas ouviram, a gente havia dito mesmo, mas que não estávamos falando delas e do casal de saci. Falávamos da questão do negro no Brasil e no mundo. Tivemos que contar um pouco sobre a escravidão no país; sobre o preconceito que o negro enfrenta até hoje, aqui e no mundo; sobre a injusta distribuição de renda; enfim; sobre as injustiças em geral.

Salsa entendeu rapidamente e já voltou com suas coisas para a lavanderia, mas Samba ainda relutava, até que Maracatu conseguiu convencê-la que, pelo menos em nossa casa, todos são tratados com igualdade.

Mais para o fim da tarde, Samba já havia voltado a sorrir e, enquanto Salsa dormia, me chamou na varanda para conversarmos mais sobre a escravidão. Ela desconhecia esse fato e não deixou de dar sua opinião.

“Para nós, cachorros, que estamos acostumados a olhar todos os nossos iguais como iguais de verdade, é muito difícil entender que os seres humanos têm a coragem de tratar seus iguais dessa forma. Não dá pra entender que um homem amarre outro homem num tronco e lhe faça passar por um castigo, como vocês dizem, desumano; ou que um homem fique à disposição de outro homem, só porque sua pele é negra. É!... Definitivamente, eu vou demorar muito tempo pra entender esses tais seres humanos.”. Assim que parou de falar, Samba se pôs a lamber as manchas negras existentes entre seus pelos brancos.

Eu... me calei.

João Bid

terça-feira, 24 de novembro de 2009

CALCINHA PRETA? NINGUÉM GOSTOU.

(publicado em 23/05/06)

Sábado estávamos todos na sala: Eu e Lisa, deitados no sofá; Samba e Salsa, no tapete; Maracatu, em cima do barzinho; e Lambada, enrolada na cortina. Sempre acreditamos que dentro da casa só nós devemos ter acesso, mas, depois da vinda de Maracatu e Lambada, vez ou outra, convidamos todos pra entrar, mesmo porque as cadelas já deixaram bem claro que se sentem melhor no espaço reservado pra elas, fora da casa. Com relação aos sacis, mesmo sabendo que não adianta fechar portas, há uma relação de respeito pelos espaços e eles só entram em casa quando convidados.

Ocorre que sábado estava muito frio e decidimos não sair de casa, mesma decisão tomada pelos sacis. Samba e Salsa não saem mesmo. Nem querem! Então, convidamos todos para assistir televisão.

Televisão é algo difícil de engolir no dia a dia e no sábado então, é terrível. Com exceção das TVs públicas, nada presta. São vários programas religiosos e os humorísticos são sem graça, que mais servem para os onanistas de plantão do que para o entretenimento das pessoas que não estão afins de sair de casa. Essa observação, aliás, foi feita por Maracatu, que foi quem insistiu em não assistir aos programas das TVs públicas, se dizendo de saco cheio de programas culturais.

Trocando de canais, encontramos um daqueles programas onde as bandas mais famosas do país apresentam seus sucessos. Eis que o apresentador chama o grupo “Calcinha Preta”. A Samba ficou assustada, porque, dias antes, ela havia tomado uma dura, porque tentou roubar uma calcinha preta do varal, mas se aliviou, quando viu quatro pessoas entrando no palco. Lambada comentou: “Nossa... quanta gente bonita!”, exatamente quando começava a apresentação. Após alguns segundos, Salsa perguntou o quê era aquilo. A Lisa respondeu que achava que era um grupo de forró. Achava, porque não estava conseguindo identificar o ritmo. Maracatu perguntou o porquê de tantas pessoas para cantar uma única melodia. Eu não soube explicar, mas tentei falar, quando a Salsa pediu silêncio pra escutar a letra. Nas primeiras rimas, Lambada se manifestou: “Acho que isso é um programa humorístico. A letra é uma piada. Eles estão rimando coração com emoção e isso é coisa primária. É pra morrer de rir.”.

Falei que várias músicas tinham somente o objetivo de fazer as pessoas dançarem e fui interrompido pela Samba, que alertou para o fato de que nem pra dançar “aquela coisa” servia.

Olhei para Salsa e não tive tempo de perguntar se estava gostando. Ela se levantou, virou para a Samba e a convidou pra irem pro quintal. Samba nem vacilou: pediu licença e saiu com a Salsa. Olhei para trás e não vi mais Maracatu e nem Lambada.

Antes de mudarmos de canal, eu e Lisa debatemos um pouco sobre a liberdade dos artistas de se manifestarem e o cuidado que temos que ter ao emitirmos nossas opiniões para não sermos taxados de preconceituosos.

Cá entre nós, também não gostei do tal “Calcinha Preta”. Concordo com as cadelas e com os sacis. Sabe quando uma pessoa fica numa situação constrangedora na frente da televisão e acaba sentindo uma certa aflição? Foi assim que me senti. Nunca vou revelar essa minha opinião em público para continuar politicamente correto, mas fico muito triste em saber que existe muita coisa boa sendo produzida no país, porém, o brasileiro está “proibido” de ter acesso. Uma pena!

Engraçado mesmo foi a conversa de quintal, no domingo de manhã. Salsa fala pouco, mas vai fundo quando abre a boca. “Foi pior que filme de Silvester Stalone. É traumático ver aqueles jovens do tal ‘calcinha preta’ tentando cantar, tentando dançar, tentando agradar e conseguindo só encher o saco.”, disse ela.

João Bid

RAÍZES CULTURAIS NA RAVE

(publicado em 08/05/2006)

Eu e a Lisa mudamos de casa recentemente. Aliás, minha família deve ser a que mais mudou, e muda, de residência em Mairinque. Nunca fomos proprietários de imóvel, por isso, passamos nossas vidas mudando de casa.

Desta vez, ficamos mudando durante uns três dias e a cada móvel que saía, Samba e Salsa ficavam mais cabreiras. “Acho que vocês estão tentando nos enganar e vão acabar abandonando a gente aqui. Vocês já estão mudando e a gente nem conhece a nova casa.”, disse a Samba. “Não esquenta, Samba. A gente se vira”, ironizou a Salsa. Por mais que eu explicasse que queria que as coisas ficassem em seus lugares para depois levá-las, as cadelas não acreditavam. Maracatu e Lambada estavam mais tranqüilos, porque já tinham visitado a nova casa em suas andanças noturnas e sabiam que tudo estava sendo preparado para que todos: eu, a Lisa, as cadelas e os sacis, ficássemos bem instalados. O casal de sacis até já tinha ajeitado um cantinho no novo lar.

Terminada a mudança, levamos as cadelas e, em apenas dois dias, elas ficaram totalmente adaptadas, já que há muito espaço e, agora, com muita grama e terra. As duas estão no céu e a Samba vive dando risada sozinha. Salsa está feliz, mas, como de praxe, não demonstra.

No sábado, dia 06/05/06, Maracatu e Lambada saíram às oito da noite sem avisar para onde iam. Eu e a Lisa nos preparamos para nossa primeira saída da nova casa, visando curtir a noite. As cadelas, embora tranqüilas em ficarem sozinhas, nos olhavam de canto de olhos, demonstrando estranhamento. Samba não se conformava com o nosso destino noturno. “Vocês vivem pregando a questão das raízes culturais, a divulgação da música brasileira e vão pra Olocofest, uma rave?”, questionava ela. Eu explicava que a festa era organizada pelos nossos sobrinhos, que são DJs, e que, além de prestigiar, eu entendia que é preciso estar ligado em todas as manifestações. A Lisa defendia que, como trabalha com adolescentes, precisava estar atenta às coisas que eles estão produzindo para entender essa linguagem tão rica em sua essência, além dela, Lisa, adorar dançar. A Salsa não se manifestava. Ficava apenas cantando trechos de músicas do Milton Nascimento com a intenção clara de me provocar. Mas fiz que não ouvia.

Passamos na casa das nossas sobrinhas, a Keith e a Laís, que debutavam nesse tipo de festa, e fomos pra Olocofest. Quando chegamos, uma surpresa. Adivinhem quem encontramos, de cara?!... Isso mesmo! Maracatu e Lambada estavam no meio da moçada, felizes, pulando com as mãos para o alto, imitando o DJ, que naquele instante era um dos nossos sobrinhos. Aí, o susto foi nosso. “O que vocês estão fazendo aqui?”, perguntei. Maracatu respondeu com outra pergunta: “Por que essa cara de assustado?”. Disse que estava admirado com o fato de um casal de sacis, expoentes do folclore brasileiro, estar numa “Rave”, dançando música eletrônica. Lambada começou a rir, nos chamou para um canto, onde o som era um pouco mais baixo, e nos deu uma aula de raízes culturais. “Olhem para o que está acontecendo aqui! Percebam que estamos numa tenda, que poderíamos chamar de oca. Sim, oca! Como as que seus ancestrais indígenas viviam. Sintam a batida da música. Elas nos lembram os tambores que os índios usavam para se comunicar e para embalar suas festas. E os passos da dança, se assemelham às danças usadas nos rituais sagrados dos índios que habitaram esta terra.”, ensinou Lambada. Maracatu completou: “Ouçam a linguagem utilizada. É quase um mantra, portanto, não importa o idioma. O que importa é a sonoridade. Poderia muito bem ser o Tupi, ou o Guarani. Entendem agora o porquê de estarmos aqui?”.

As explicações foram tão claras, que deixei meu pré-conceito de lado e curti a festa, que, aliás, estava bem legal.

No domingo, acordamos e ouvimos no quintal a conversa rolando, entre os sacis e as cadelas, sobre a festa. Não saberia reproduzir a conversa toda, mas marcou a fala da Salsa, depois das mesmas explicações feitas pelos sacis: “Entendi, entendi. Não há como escondermos nossas raízes culturais. Se as negarmos, estaremos sendo falsos. A Olocofest só foi boa, porque os meninos colocaram suas verdades, suas raízes, naquele som.”.

Não digo que estarei em todas as “raves”, porque realmente acho o som um pouco alto, principalmente os graves, que entram em meu peito, dando a impressão que vão mudar o ritmo do meu coração, mas acho que passei a entender melhor essa manifestação.

João Bid

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A REUNIÃO COM AS CADELAS E OS SACIS

(publicado em 03/04/2006)

Nem bem cheguei no quartinho e a Samba disparou a falar. Ela falava uma palavra atrás da outra me olhando nos olhos. Salsa somente acenava positivamente a cada frase de Samba. Maracatu ao meu lado quieto. E Lambada, passando a mão nas costas de Samba, vez ou outra, pedia pra ela se acalmar.

Eu, encostado no batente da porta, com os olhos marejados, maravilhado com o momento. Minha cadela estava à minha frente falando comigo. Não prestei atenção em uma só palavra; estava extasiado com o timbre da voz de Samba: uma mistura de Leila Pinheiro com Gal Costa. Sabe aquela voz aguda, mas aveludada? Pensei que qualquer dia iria testar a afinação da voz de Samba. “Se o resultado for positivo, vou convidá-la a fazer as vozes femininas no meu show.”, dizia meu subconsciente.

Olha eu achando que todo mundo sabe do que estou falando! Obviamente, várias pessoas não leram meu artigo anterior. Então, vou explicar rapidamente. Estou falando sobre a primeira vez que falei com minhas cadelas, a Samba e a Salsa. Uma semana depois que trouxe para morar comigo o casal de sacis, Maracatu e Lambada, numa reunião marcada para acordarmos algumas coisas com relação à convivência entre mim; minha mulher, a Lisa; as duas cadelas; e o casal de sacis. Podem me chamar de louco, mas tenho certeza que muitas pessoas que estão lendo este artigo, se de fato forem muitas, conversam com seus cachorros diariamente e sabem do que estou falando.

A Samba é a cadela que sempre está à frente das coisas, a que toma as iniciativas. A Salsa é mais recatada, mais paciente, e sempre coloca a Samba para resolver as paradas. O Maracatu, o saci macho, gosta de aprontar suas traquinagens, mas tem seu lado mais centrado, colocando suas opiniões sempre com muita consciência, diria que ele é quase um intelectual, com o defeito de ser um pouco machista. Lambada, a saci fêmea, é uma Lady. Traquina também, mas com gosto refinado, recatada e sempre deixando que Maracatu imagine que a última palavra é a dele.

Mas, voltando ao assunto, quando a Samba parou de falar, a Salsa completou, com sua voz mais grave e um pouco rouca, algo quase sensual, “Samba! Acho que ele não está prestando atenção.”

Resumindo, Samba fez um apanhado deste tempo em que ela e a Salsa moram comigo, as alegrias, as tristezas, os protestos etc. Falou sobre o fato de estarem se dando bem com Maracatu e Lambada e sobre códigos que deveríamos cumprir daqui pra frente. Mas, uma frase ficou em meus ouvidos: “Vocês não poderiam ser chamados de humanos...”.

Já refeito do êxtase, questionei sobre aquela frase, para o que, Salsa respondeu, “Às vezes a Samba fala demais. Não é nada contra você.”. Samba retrucou se dirigindo a mim, “Falo demais, reconheço que falo demais, mas me responda se podemos pensar outra coisa de pessoas que se curvam para as ordens de um George W. Buch, que só pensa em invadir a cultura dos povos, com a pretensão de impor sua cultura através de armas?”. Observei que, no quartinho, todos acenaram positivamente e fiquei sem resposta ante a tamanha lucidez. Só pude concordar.

De lá pra cá, assumi minha condição de analfabeto cultural e não deixo de me reunir com as cadelas e os sacis periodicamente para beber daquela fonte tão cristalina.

Tenho levado altos papos e pretendo reproduzi-los aqui.

As cadelas e os sacis não gostam dessa exposição e até me proibiram de contar estas coisas. Mas, depois de lerem o primeiro artigo, acabaram concordando que ninguém vai acreditar e eles ficarão isentos de responsabilidades sobre qualquer manifestação.

João bid

MINHAS CADELAS E MEUS SACIS

(publicado em 21/06/2006)

Há quase seis anos, no final de 2000, Samba e Salsa, minhas duas cadelas, vieram morar comigo, vindas das mãos carinhosas e caridosas da Terezinha Magela. Nasceram na rua e a Terezinha as recolheu para sua casa, onde ficaram até que eu as levasse pra minha.

Nossa relação sempre foi muito legal: eu dou ordens e elas não atendem; elas querem sair na rua, eu não deixo; etc., mas ficou ainda mais interessante, quando, recentemente, elas resolveram conversar comigo. E só se manifestaram porque eu levei um casal de sacis, o Maracatu e a Lambada, pra morar em casa também e, no começo, elas quase enlouqueceram.

Hoje, convivem, a Samba, a Salsa, o Maracatu e a Lambada, em plena harmonia, mas logo que o casal chegou, foi um horror.

Por falta de espaço, tive que colocar o casal de sacis junto com as cadelas e a confusão se estabeleceu logo no primeiro dia. Lembro-me que o casal chegou um pouco antes do almoço, horário em que as cadelas costumam dormir. Maracatu não resistiu aos pelos longos da Salsa e foi logo fazendo vários cachinhos, que a Salsa odiou, mas, como ela, a Salsa, é muito tímida, não soube reagir, por isso, foi acordar a Samba, pra que esta, que é mais esperta, resolvesse o caso, mas a Samba estava numa correria danada, pois a Lambada a acordou puxando seu rabo, coisa que ela não aceitou. Eu, sem qualquer experiência, tentava acabar com a confusão aos gritos, mas, por mais que gritasse e corresse de um lado para o outro, nenhum deles me ouvia, ou fingia não ouvir.

A confusão só acabou quando Maracatu percebeu que a Samba estava quase mordendo a perna da Lambada. Maracatu deu um salto, pegou a Lambada pela cintura e, numa agilidade impressionante, pulou para o quintal da vizinha.

O ambiente ainda estava tenso, quando Salsa me olhou muita séria, virou e se dirigiu para o quartinho. Samba então, que é sempre muito alegre, me deu as costas e, sem balançar o rabo, acompanhou a Salsa. Naquele dia, elas não comeram, fizeram xixi nos quatro cantos do quintal e nem se aproximaram da porta da lavanderia, o que me deixou muito preocupado.

Nos dias que se seguiram, percebi que a confusão continuava, mas resolvi não me meter, ficando apenas na observação para evitar algo pior. Mas, não me meti.

As cadelas sempre tiveram o hábito de cochilar na parte do dia para ficarem mais atentas à noite, porém, naqueles dias, elas só conseguiam dormir à noite, quando o casal de sacis saía para passear e voltava somente de manhã.

Passados dez dias, Maracatu bateu na porta da lavanderia e disse que precisava conversar comigo. A princípio me assustei, porque não sabia que os sacis falam, mas estava tão preocupado em resolver a situação, que deixei pra analisar o fenômeno mais tarde. Sentamos no degrau e Maracatu me falou que haviam chegado num acordo e a situação estava controlada, mas Samba e Salsa queriam fazer uma reunião para selar o acordo e ter uma conversa aberta e muito séria comigo. Imediatamente perguntei se as cadelas também podem falar. Maracatu riu e me contou que os cachorros só não falam com a gente, porque acham que não vale a pena. Os cachorros, vim saber depois, entendem que seria muito difícil explicar para nós, seres humanos, que nossos valores são absurdos e só dificultam nossas vidas. Isso, contarei depois.

Na hora marcada, estávamos lá, eu, Samba, Salsa, Maracatu e Lambada, para nossa reunião, que só terminou quando Maracatu e Lambada precisaram sair para a caminhada diária, mas foi muito produtiva.

Só não conto agora, porque a reunião merece um artigo inteiro. Quem sabe o próximo.

João Bid