terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Dia do Saci

(publicado em 03/10/06)

Tânia Baccelli é uma grande amiga que exerce o mandato de vereadora em Sorocaba. Minha admiração por ela vai aumentando a cada “bola dentro” que ela dá na sua atuação política.

Primeiro, ela veio com o resgate da memória ferroviária, à frente de inúmeros eventos pela transformação da Estação Ferroviária de Sorocaba em um espaço cultural. Me parece que o movimento vem obtendo sucesso.

Agora, ela conseguiu aprovar um projeto de lei que institui o “Dia do Saci” em 31 de outubro, confirmando o que sempre pensei dela: uma pessoa voltada para o resgate de nossa identidade cultural; exemplo de luta pela valorização de nossa cultura e, porque não dizer, contra o preconceito que o próprio brasileiro tem para com suas raízes culturais.

Cheguei em casa com a notícia e foi uma festa só. Maracatu e Lambada, os sacis, não conseguiram disfarçar a satisfação de ver reconhecida na cidade vizinha a importância secular de seus familiares para o Brasil. Samba e Salsa, minhas duas cadelas, mostravam no olhar o orgulho por serem amigas de figuras tão importantes.

Acompanhei o processo e soube que o projeto foi vetado pelo prefeito de Sorocaba.

Pra quem não sabe, o prefeito de Sorocaba é o Vitor Lippi, mairinquense que chegou a ser vereador em nossa cidade.

Lembro-me de minha juventude e encontro o Vitor fazendo parte de minha roda de amigos, quando, por exemplo, nos convidou para um final de semana na fazenda de sua família. A fazenda era próxima da represa Itpararanga, com muita mata, enfim, um lugar apropriado para a criação de sacis, tanto que cheguei a ver muitos deles naquele local. Comentei, à época, que a família do Vitor era muito sensível, exatamente porque entendi que ela criava sacis, o que demonstrava a preocupação com a preservação desse mito fantástico. Talvez aquele fato tenha me influenciado ao ponto de me tornar criador de saci e ter lá em casa o Maracatu e a Lambada.

O Vitor acabou vetando o projeto que instituía o “Dia do Saci” e fico sem saber o que ocorria de verdade naquela fazenda, encontrando apenas uma explicação: eram sacis sem terra, que estavam ocupando aquele lugar, que, por direito cultural, pertencia a eles também.

Dias depois, recebi a notícia que o veto havia sido acolhido, pois apenas a minoria dos vereadores votou por sua derrubada e fui obrigado a levar a triste notícia para meus “hóspedes”.

Cheguei na lavanderia e Lambada estava brigando com Maracatu, porque este, desde o dia que eu havia dado a notícia, queria, porque queria, botar terno e gravata para assistir a promulgação da lei. “Apenas alguns vão te ver; só os mais sensíveis, e estes, querem te ver como você é.”, disse Lambada, com expressão de indignação. “Mas essa data é muito significativa para mim.”, retrucou Maracatu. Salsa, a cadela mais tímida, disse que achava muito engraçado ver Maracatu de terno. Samba, a cadela mais sapeca, já estava dando opinião na cor do terno.

Acho que apenas olhando para mim todos perceberam que eu vinha com notícia ruim e se calaram para ouvir. Vacilei, mas não tive como escapar. Contei tudo de uma vez só. Lambada encostou-se à máquina de lavar roupas, como se tivesse tido uma vertigem, e as lágrimas começaram a correr de seus olhos. Maracatu, num salto, pulou pra cima da prateleira, fechou a cara e não se manifestou. “Eles não entenderam nada.”, disse Salsa e se enfiou em sua casinha. Samba só reagiu quando contei que a bancada evangélica chamou os sacis de entidades diabólicas. “Sorocaba é uma cidade brasileira ou não?”, perguntou Samba, já se derramando em prantos. Acenei positivamente e ela questionou: “Será que eles nunca leram sobre o folclore brasileiro? Fico imaginando a reação da Inezita Barroso com esse acinte.”

Do alto da prateleira, Maracatu fechou a conversa: “Investindo 0,5 % do orçamento em cultura, este país vai ficar muito tempo ainda nesta crise de identidade cultural.”

João Bid

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