sexta-feira, 15 de junho de 2012

MINHA SALSA


A Salsa morreu. Ontem, perto das quatro horas da tarde. Por mais que a gente pense que está preparado, não está. E ninguém está. Todos em casa estão tristes.
O segundo nome da Salsa é Filomena: Salsa Filomena; porque descobrimos que São Filomeno é protetor dos músicos, dos comediantes e dos Palhaços. Sou músico e a Lisa adora palhaços, pesquisa essa arte, então era esse o segundo nome. Santa Filomena é protetora dos estudantes. Também fica bom.
Por ironia do destino, a Salsa morreu nas mãos de um veterinário-músico. Zé Penone foi flautista do Catavento. Aliás, foi ele quem gravou as flautas no nosso primeiro disco: um vinil, com três faixas, chamado “Disco”. Até hoje, acho a sopro do Zé um dos mais bonitos que ouvi, mas, infelizmente, raras vezes nos encontramos no palco. Acabei ficando sem um grande músico, mas ganhei um excelente veterinário. Amigo, antes de qualquer coisa.
Eu estava falando sobre isso com a Valsa e com a Rumba, sob os olhares de Maracatu e Lambada. A Samba estava recolhida na casinha que ultimamente era mais utilizada pela Salsa. A Lisa estava dentro de casa. Entendi que ela preferiu não falar sobre o assunto até passar um pouco essa dor.
Valsa e Rumba me pediram para contar algumas curiosidades da vida da Salsa. Maracatu e Lambada ficavam me ajudando a lembrar. Algumas eu até contei por aqui e outras foram surgindo e a gente foi relaxando.
Lembrei-me de quando a Samba e a Salsa chegaram pra mim. Eu morava sozinho e era “marinheiro de primeira viagem” com relação à adoção de animais. Eu fiquei uns quinze dias sem comer direito, pois estava sempre achando que alguma coisa estava errada com as duas. Preocupação besta de quem não tem experiência. Um dia, o PT de Mairinque, que sempre foi um grupo de amigos antes de ser um partido político, se reuniu para a troca de presentes, numa brincadeira de amigo secreto. Eu e Lisa acabamos não indo, porque a Salsa havia tomado uma picada de abelha e estava com a pata inchada. Aquilo me deixou apavorado e nem fui à festa, sendo alvo de muito sarro e críticas por parte dos “companheiros”.
“Elas aprontavam muito? Mais que a Valsa e a Rumba?”, perguntou a Lambada. Disse que passei muito sufoco e lembrei que elas quase destruíram minha casa. “Imaginem duas cadelinhas de dois meses, soltas na sala da casa? Estragaram o tapete, riscaram os móveis, comeram o braço da namoradeira e por aí vai.”, contei. “Então não era muito diferente das duas aqui.”, disse Maracatu. “Eu não apronto nada.”, afirmou a Rumba. Valsa apenas sorriu entre os dentes e cantou: “Samba e Salsa rolando na Sala, quem dança sou eu. Pede pra parar... pede pra parar... pede pra parar.”; uma composição que dediquei a elas.
No fim da conversa, disse a Rumba, com a inocência que ainda lhe é peculiar: “É até bonito pensar que a Salsa deu seu último sopro de vida nas mãos da pessoa que tem um bonito sofro de flauta.”, sendo completada pela Valsa: “O veterinário fez tudo para mantê-la viva, mas, num determinado momento, saiu o veterinário e entrou o flautista para conduzi-la a um novo mundo. E a música deve ter sido linda.” Silenciamos todos.
Naquela noite, não pude deixar o compromisso de cantar e, dentro de mim, cantei a noite inteira para a Salsa. Mas no fim, não resisti e falei que iria encerrar cantando uma música para a Salsa. E cantei a música “MEU SILÊNCIO”, de Cláudio Nucci e Luiz Fernando Gonçalves. Sei que a Salsa pediria para eu aconselhar os leitores a ouvir a música. Então, deixo a letra abaixo e peço que procurem ouvi-la. Tem uma gravação linda, da Nana Caymmi, no Youtube.

Velho(a) companheiro(a)
Que saudade de você
Onde está você?
Choro neste canto a tua ausência
Teu silêncio
E a distância que se fez tão grande
E levou você de vez daqui

Sabe, companheiro(a)
Algo em mim também morreu
Desapareceu junto com você
E hoje este meu peito mutilado
Bate assim descompassado
Que saudade de você


João Bid

quinta-feira, 5 de abril de 2012

LEI, ORA A LEI!

Entrei no quartinho das meninas e a Samba estava no centro, com as quatro patas pra cima e quase morrendo de rir. Na porta de entrada, estava a Salsa, também rindo muito. Rumba, deitada na namoradeira, ria, mas suas expressões mostravam que ela estava entendendo muito pouco da conversa. Valsa, em pé, ao lado da namoradeira, estava com as patas dianteiras pra cima, e marcando passos, como se estivesse comemorando algo. Maracatu e Lambada, cada um em cima de uma prateleira, contavam as piadas. “O casal de sacis, contando piadas?”, pensei, parando para prestar atenção, quando percebi que eles estavam lendo para as cadelas a notícia que informava que os senadores estavam debatendo a possibilidade de não mais receberem o 14º e o 15º salários.
“Não sei qual é o motivo de tanto riso. Os caras recebem esse dinheiro indevido faz mais de cinquenta anos e vocês riem como se fosse uma piada? Temos que comemorar, mas esquecer disso!”, falou Valsa, um pouco irritada, sem desmontar a expressão de satisfação.
“Tô rindo do seu entusiasmo com uma coisa que deveria ser normal. Além disso, você não está percebendo que isso não significa avanço.”, respondeu Samba para Valsa. “A Samba tem razão, porque os senadores, deputados, os políticos enfim, não são funcionários, são agentes políticos, não tendo, portanto, direitos trabalhistas. Por isso, esse ato não significa avanço. É apenas uma retomada da normalidade.”, explicou Salsa.
Maracatu levantou a mão, se candidatando para ser o próximo a falar, mas Rumba não deixou e perguntou: “Se estou entendendo, os representantes do povo, que foram eleitos para salvaguardar os direitos do cidadão e fiscalizar a correta aplicação do dinheiro público, são os que mais oneram os cofres públicos?”.  “É mais ou menos por aí, mas acredito que os humanos estão avançando à medida que tomam posições como essa. Cortando mordomias.”, respondeu Lambada. Maracatu conseguiu tomar a palavra para dar um banho de água fria em todos. “Acho que vocês não estão percebendo que existe aí mais um golpe. Todos pensam que os políticos estão tomando uma atitude digna, porém, se esquecem que o 13º salário eles continuarão recebendo, o que não é correto também. Políticos não têm os mesmo direitos conquistados pelos trabalhadores, por isso, eles não recebem salários, mas sim, subsídios.”, denunciou o saci.
“Tem mais essa!”, falou Samba, tomando um ar sério. “O 13º salário também deveria ser extinto, é direito dos trabalhadores e não dos agentes políticos.”, concluiu a cadela.
“Agora tem a lei da ficha limpa. Muito lixo vai ser jogado fora.”, disse o Tom, que acabara de chegar e se posicionara na janela. “Outra mentira!”, afirmou Lambada. “Como mentira? Essa é uma lei de iniciativa popular, apoiada em um milhão e meio de assinaturas, que já foi aprovada.”, argumentou o gato, com cara de quem estava por dentro do assunto. Valsa apoiou o Tom, dizendo: “O Tom tem razão. O país inteiro está aguardando faz um ano para ver os fichas-sujas ficarem fora das eleições.”
“Entendo essa ansiedade, mas vocês se esqueceram que os políticos colocaram emendas no projeto e dificultaram sua interpretação. Pra vocês terem uma idéia, eles colocaram tanta areia que agora o político tem que, além de ter sido julgado e condenado, ter enriquecido ilicitamente. E provar enriquecimento ilícito é quase impossível.”, explicou Maracatu. “O quê?!”, gritou a Salsa, já transtornada. “É isso mesmo. A impressão que se tem, é a de que meia dúzia de políticos se debruçou sobre o projeto e ficou estudando, até eliminarem todas as possibilidades de serem pegos.”, falou, muito desanimada, Lambada. Nesse momento, fez-se um silêncio profundo no quartinho.
Para tentar descontrair o clima, Tom, que há algum tempo se acostumou a assistir futebol comigo, nos domingos à tarde, disse, em clima de piada: “Dizem até, que um político sugeriu que colocassem um artigo na lei dizendo o seguinte: ‘para não poder ser candidato, o cidadão, além de ter sido condenado, precisa ter sido campeão brasileiro pelo Arapiraca, jogando com a camisa 171, em cima do Flamengo, em pleno Maracanã, com um gol dele, aos 49 minutos do segundo tempo.’”. Ninguém riu, mas Valsa não deixou que o constrangimento se instalasse, convidando a Rumba pra brincar no gramado e saindo correndo do quartinho. Rumba saiu latindo atrás dela.
“Dá vontade de desistir dos seres humanos.”, disse Samba, também saindo do quartinho.
“A Samba é muito ansiosa, ainda não aprendeu que certas mudanças não são do dia pra noite. O mais importante é que os honestos não desistam, porque é exatamente isso que os maus políticos querem. Eles não desistem.”, falou a sempre sábia Salsa.
Maracatu e Lambada se despediram, dizendo que voltariam só no outro dia, pois iriam até Brasília assistir a queda de Demóstenes Torres.
“É! Ainda há esperança.”, concluiu Tom.

João Bid