sexta-feira, 24 de setembro de 2010

UM PROTESTO SEM RODEIOS

“Eu odeio rodeio!!!” Acordei com esse grito. O relógio marcava duas horas da manhã. “Eu odeio rodeio mais que tudo nesse mundo!!!”. Levantei e olhei pela fresta da janela do quarto. “Eu odeio rodeio mais do que o cachorrinho do vizinho que vem fazer xixi no portão da nossa casa!!!.

Pela ordem, estavam gritando: Salsa, Samba e Valsa.

Em casa, o quintal é gramado e para passar da casa para a lavanderia, onde fica também o quartinho das meninas, fizemos uma passarela em forma de “Y”, com duas pernas, que saem dos corredores laterais da casa, se encontrando com uma terceira que leva à lavanderia e formando no centro uma circunferência, onde também se vê um símbolo yin e yang ladrilhado.

E foi um “desfile-protesto” que vi pela fresta da janela na passarela que já descrevi.

As meninas vinham, uma de cada ponto da passarela, se encontravam no meio e saiam para os lados opostos, sempre gritando palavras de ordem contra o rodeio, que iniciara naquela noite em Mairinque. A música que vinha da festa estava no último volume e, no silêncio da madrugada, parecia insuportável, por isso, elas estavam usando fone de ouvido, que pegaram nas minhas bagunças.

“Eu odeio rodeio mais do que político corrupto!!!”, gritou a Samba. “Eu odeio rodeio mais do que o inventor dos fogos de artifícios!!!”, gritou a Salsa. “Eu odeio rodeio mais do que o inventor da Barbie, aquela boneca horrorosa!!!”, gritou a Valsa.

Samba e Salsa, mais velhas, estavam levando a sério o movimento. Mesmo a Samba, que vive sorrindo, estava com a cara fechada. Mas Valsa, a cadelinha, estava mesmo era gostando da farra. Feliz por estar acordada fazendo bagunça àquela hora com a autorização das mais velhas.

Resolvi não intervir, por dois motivos. Primeiro, porque a Lisa, que também não conseguia dormir e estava na sala de televisão assistindo a um filme, com o volume bem alto para não ouvir a música da festa, não tinha percebido, mas se percebesse, ficaria muito brava, pois as meninas, além do fone de ouvido, trajavam roupas dos figurinos das peças teatrais dela, que ficam em baús no quartinho. E depois, porque o movimento não estava incomodando a vizinhança, já que abafado pela música.

Mais ou menos duas e meia a música parou e, alguns minutos depois, chegou o casal de sacis Maracatu e Lambada. “Vocês agiram novamente?”, perguntou a Salsa, com um sorriso sarcástico no canto da boca. “Não! Desta vez não conseguimos desligar o som.”, respondeu Maracatu. “A música parou porque o rodeio estava vazio.”, contou Lambada. “E por que vocês ficaram até o fim?”, perguntou a Valsa. “Porque estava muito divertido.”, respondeu Lambada.

Samba interveio. “O que? Vão me dizer, agora, que vocês gostam de rodeio?”, disse a cadela completamente indignada. “Não, pelo amor dos seres folclóricos!!!”, disse Lambada. “Então, vocês gostam de música sertaneja?”, interrogou Samba. “Calma Samba! Também detestamos música sertaneja. Nos divertimos, porque ficamos derrubando os peões, soltando aquela corda que aperta a virilha dos animais.”, disse, sorrindo, Maracatu. “Eu joguei um mosquito na garganta do locutor, que ele engasgou bem na hora que ia dizer: ‘Seguuuura peão!’”, relatou Lambada, já caindo na gargalhada. Gargalhada que se espalhou entre as cadelas. “Teve um momento que fiquei preocupado. Derrubei o peão, que montava um touro, e quase ele toma uma cifrada. Precisei conversar com o touro.”, revelou Maracatu. “E com cantor, o que aprontaram?”, perguntou Samba. “Com ele nada, mesmo porque ele é apenas uma marionete na mão do empresário. Apenas desafinamos as cordas da guitarra e do banjo e fizemos o baterista cair do banquinho. Mas, com o empresário foi muito divertido.”, disse Lambada. “Conta!”, pediu Valsa, feliz da vida. “Entramos no camarim e esperamos que ele recebesse o cachê do show. Como era muito dinheiro, ele dividiu o pacote e distribuiu nos bolsos da calça. O Maracatu puxava o pacote de um bolso e eu puxava do outro. E choramos de rir ao ver o cara de quatro no chão, recolhendo nota por nota.” “Então, estamos vingadas.”, disse Samba.

Como percebi que o clima estava bem tranquilo e que eles conversavam em volume baixo, fui para a cama, empurrei o Tom um pouco mais para o canto e dormi, mas não sem antes desejar que Maracatu e Lambada tivessem mais sorte no outro dia e conseguissem desligar o som do rodeio. Assim, teríamos um pouco de paz na próxima madrugada.

João Bid

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

JINGLES DE CAMPANHAS ELEITORAIS. FALTA CRIATIVIDADE

Agora não somos mais acordados pelos bucólicos sinos da igreja nas manhãs de domingo. É que moramos na Vila Sorocabana, em Mairinque, onde, aos domingos, acontecem as feiras livres e, com a campanha eleitoral, a concentração de cabos eleitorais nas proximidades da minha casa é enorme, todos buscando votos para seus candidatos junto aos clientes da feira. Com eles, inúmeros carros de som tocando ao mesmo tempo, e em volume exagerado para um domingo de manhã, os jingles de campanha. Verdadeiras pérolas. Eu e Lisa conhecemos todos e esses candidatos conseguiram, além de perder nossos votos, nutrir um sentimento no mínimo esquisito, que não podemos chamar de admiração.

Os jingles já foram mais interessantes em outras épocas, mas hoje, talvez por uma espécie de aculturação visível e audível, viraram retalhos de músicas de mau gosto, que irritam até os fiéis que se dirigem às missas tão contritos e de alma, teoricamente, limpa.

Uma vez, o Pisca, meu amigo, que cozinha maravilhosamente bem, me segredou, depois de receber um elogio meu pela comida que havia feito: “João, a gente mistura um monte de coisa boa e não tem como ficar ruim”. Mal comparando, digo que os atuais jingles são uma mistura de um monte de coisa ruim, que nunca poderiam ficar bons.

Neste último domingo, pra variar, fomos obrigados a levantar cedo. A Lisa levantou antes e, quando sai do quarto, ela estava no final do corredor me fazendo sinal de silêncio e apontando para fora da casa. Fomos nas pontas dos pés até a janela e vimos Maracatu e Lambada, os sacis, sentados na estrutura de ferro que sustenta a lona de cobertura da garagem; Tom, o gato, em cima de um dos pilares do portão; Samba e Salsa, as cadelas mais velhas, deitadas no gramado, com os focinhos esbarrando na grama, o que permitia que as duas colocassem as patas dianteiras nos ouvidos; e Valsa, a cadelinha, dançando no centro da circunferência de ladrilhos, onde se encontra desenhado o símbolo yin e yang, ao som do jingle das candidatas a deputadas federal e estadual, que mais estão investindo nos eleitores de Mairinque (para não dizer “que mais estão enchendo o nosso saco”).

Salsa, com cara de poucos amigos, gritava pra Valsa parar de dançar aquela música horrível. “Não é a dança, é a música que tem que parar.”, gritava Samba, demonstrando extrema irritação. De fato, eu e Lisa concordamos, silenciosamente, que a dança não estava ruim. Aliás, cá entre nós, a Valsa estava uma gracinha. Ela fazia uns passos difíceis em duas patas, alternando dianteiras e traseiras, e conseguia desenhar um movimento com a cabeça e outro com a calda, que nos deixou extáticos.

Vendo que Salsa e Samba poderiam ter um treco, Maracatu e Lambada saíram pulando pelos muros da redondeza até sumirem.

E a música continuava e Valsa cada vez mais empolgada com os novos passos que inventava. E Salsa e Samba cada vez mais irritadas. Não sei dizer se o Tom estava gostando ou não, porque ele começou a pular de pilar em pilar, além de se equilibrar na grade existente entre eles. De repente o som parou e foram parando todos os outros que estavam abafados pelo volume do jingle das candidatas, até que se ouviam apenas os pregões dos feirantes.

Valsa parou se equilibrando em apenas uma das patas dianteiras, com as traseiras para o alto e olhando em direção de Samba e Salsa, que tiraram as patas dos ouvidos e aplaudiram. Tom voltou para um dos pilares e Maracatu e Lambada chegaram alguns minutos depois limpando as mãos. “Acho que eles vão demorar um tempão para descobrirem o defeito no som de seus carros.”, disse Lambada, escondendo um sorriso no olhar.

“Ah! Foram vocês que pararam o som? Tava tão gostoso.”, reclamou Valsa. “Outro dia você tava dançando uma música tão bonita do Milton Nascimento, que eu até me emocionei, mas dançando essa porcaria eu não acho legal. Parece meio vulgar.”, falou, com bastante calma, a Samba. “O pior é que esses jingles são plágios.”, informou Lambada. “Não pode ser Lambada! Plágio é crime e as candidatas não cometeriam um crime em plena campanha. Principalmente elas, que estão querendo ser deputadas.”, argumentou Salsa. “O que é plágio?” perguntou Valsa. “No caso desse jingle, as candidatas pegaram uma música que faz sucesso e colocaram uma letra que fala bem delas. Se elas não tem autorização do compositor da música, estão cometendo o crime de uso indevido de uma propriedade intelectual.”, explicou Tom. “Falou bonito, Tom!”, brincou Maracatu, que completou ironizando, “as futuras deputadas começam dando ótimos exemplos, caso não tenham a autorização”.

“Eu não sabia que era música de campanha eleitoral. Pensei que era a propaganda de novas bonecas, tipo Barbie.”, revelou Valsa, após uns bons goles de água. “Não é muito diferente disso.”, disse Salsa, concluindo com uma convocação. “Maracatu e Lambada, vamos precisar de vocês no próximo domingo.”

João Bid