terça-feira, 24 de novembro de 2009

RAÍZES CULTURAIS NA RAVE

(publicado em 08/05/2006)

Eu e a Lisa mudamos de casa recentemente. Aliás, minha família deve ser a que mais mudou, e muda, de residência em Mairinque. Nunca fomos proprietários de imóvel, por isso, passamos nossas vidas mudando de casa.

Desta vez, ficamos mudando durante uns três dias e a cada móvel que saía, Samba e Salsa ficavam mais cabreiras. “Acho que vocês estão tentando nos enganar e vão acabar abandonando a gente aqui. Vocês já estão mudando e a gente nem conhece a nova casa.”, disse a Samba. “Não esquenta, Samba. A gente se vira”, ironizou a Salsa. Por mais que eu explicasse que queria que as coisas ficassem em seus lugares para depois levá-las, as cadelas não acreditavam. Maracatu e Lambada estavam mais tranqüilos, porque já tinham visitado a nova casa em suas andanças noturnas e sabiam que tudo estava sendo preparado para que todos: eu, a Lisa, as cadelas e os sacis, ficássemos bem instalados. O casal de sacis até já tinha ajeitado um cantinho no novo lar.

Terminada a mudança, levamos as cadelas e, em apenas dois dias, elas ficaram totalmente adaptadas, já que há muito espaço e, agora, com muita grama e terra. As duas estão no céu e a Samba vive dando risada sozinha. Salsa está feliz, mas, como de praxe, não demonstra.

No sábado, dia 06/05/06, Maracatu e Lambada saíram às oito da noite sem avisar para onde iam. Eu e a Lisa nos preparamos para nossa primeira saída da nova casa, visando curtir a noite. As cadelas, embora tranqüilas em ficarem sozinhas, nos olhavam de canto de olhos, demonstrando estranhamento. Samba não se conformava com o nosso destino noturno. “Vocês vivem pregando a questão das raízes culturais, a divulgação da música brasileira e vão pra Olocofest, uma rave?”, questionava ela. Eu explicava que a festa era organizada pelos nossos sobrinhos, que são DJs, e que, além de prestigiar, eu entendia que é preciso estar ligado em todas as manifestações. A Lisa defendia que, como trabalha com adolescentes, precisava estar atenta às coisas que eles estão produzindo para entender essa linguagem tão rica em sua essência, além dela, Lisa, adorar dançar. A Salsa não se manifestava. Ficava apenas cantando trechos de músicas do Milton Nascimento com a intenção clara de me provocar. Mas fiz que não ouvia.

Passamos na casa das nossas sobrinhas, a Keith e a Laís, que debutavam nesse tipo de festa, e fomos pra Olocofest. Quando chegamos, uma surpresa. Adivinhem quem encontramos, de cara?!... Isso mesmo! Maracatu e Lambada estavam no meio da moçada, felizes, pulando com as mãos para o alto, imitando o DJ, que naquele instante era um dos nossos sobrinhos. Aí, o susto foi nosso. “O que vocês estão fazendo aqui?”, perguntei. Maracatu respondeu com outra pergunta: “Por que essa cara de assustado?”. Disse que estava admirado com o fato de um casal de sacis, expoentes do folclore brasileiro, estar numa “Rave”, dançando música eletrônica. Lambada começou a rir, nos chamou para um canto, onde o som era um pouco mais baixo, e nos deu uma aula de raízes culturais. “Olhem para o que está acontecendo aqui! Percebam que estamos numa tenda, que poderíamos chamar de oca. Sim, oca! Como as que seus ancestrais indígenas viviam. Sintam a batida da música. Elas nos lembram os tambores que os índios usavam para se comunicar e para embalar suas festas. E os passos da dança, se assemelham às danças usadas nos rituais sagrados dos índios que habitaram esta terra.”, ensinou Lambada. Maracatu completou: “Ouçam a linguagem utilizada. É quase um mantra, portanto, não importa o idioma. O que importa é a sonoridade. Poderia muito bem ser o Tupi, ou o Guarani. Entendem agora o porquê de estarmos aqui?”.

As explicações foram tão claras, que deixei meu pré-conceito de lado e curti a festa, que, aliás, estava bem legal.

No domingo, acordamos e ouvimos no quintal a conversa rolando, entre os sacis e as cadelas, sobre a festa. Não saberia reproduzir a conversa toda, mas marcou a fala da Salsa, depois das mesmas explicações feitas pelos sacis: “Entendi, entendi. Não há como escondermos nossas raízes culturais. Se as negarmos, estaremos sendo falsos. A Olocofest só foi boa, porque os meninos colocaram suas verdades, suas raízes, naquele som.”.

Não digo que estarei em todas as “raves”, porque realmente acho o som um pouco alto, principalmente os graves, que entram em meu peito, dando a impressão que vão mudar o ritmo do meu coração, mas acho que passei a entender melhor essa manifestação.

João Bid

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