sábado, 23 de fevereiro de 2013
CHEGA DE TRISTEZA
segunda-feira, 13 de junho de 2011
E FINALMENTE A RUMBA FALOU
Não me lembro qual era o programa, mas lembro que tentei mudar de canal quando anunciaram uma entrevista com Jair Bolsonaro e fui impedido, porque todos, afora eu e Lisa, estavam curiosos para conhecer a cara do autor de inúmeras manifestações homofóbicas.
Bastou a primeira resposta daquela coisa, para ouvirmos uma voz infantil, porém, numa linguagem clara, com fim de frase bem definido, sílabas bem articuladas e um timbre muito gostoso. “Esse cara é um babaca”. Era a Rumba, finalmente falando. Antes de comemorar o momento, tive tempo de observar que essa voz, assim que madura, chegará muito próxima da voz de Cris Delano, para mim, a melhor cantora brasileira (procurem ouvir).
Todos nós ficamos muito felizes e comemoramos. Lambada estava toda orgulhosa por ter sido a responsável pelos ensinamentos transmitidos à Rumba e mais orgulhosa ainda, pela lucidez da primeira manifestação daquela nossa menininha. Pra variar, a Lisa chorou. Valsa quis começar uma conversa com a Rumba, mas foi interrompida pela Salsa, que foi a única a ouvir a segunda resposta do político. “Escroto, fascista e enrustido. Gente desse tipo deveria ser proibida de viver em sociedade.” Voltamos as atenções para a TV e na terceira resposta, que vinha contida de um ódio profundo pelos homossexuais, o Tom apertou a tecla off do controle remoto. “Não precisamos continuar ouvindo esse idiota falar.”, afirmou o gato.
Samba ainda estava brigando com o Tom, porque achava que deveríamos ouvir toda a entrevista daquele monstro, mas Lambada, pedindo licença, perguntou: “Posso aproveitar este momento pra contar uma história?”. Samba cedeu e todos silenciaram para ouvir a saci.
Lambada iniciou contando que, há muito tempo, num recanto da Floresta Amazônica, nasceu um saci com duas pernas. “Que bacana!”, interferiu a Valsa. “Não foi dessa forma que a comunidade recebeu a notícia.”, rebateu Maracatu, fazendo sinal para que Valsa deixasse a Lambada continuar a história. Lambada continuou, relatando que muitos sacis olhavam para aquele ser com repugnância; outros ficaram penalizados; e alguns poucos, iniciaram um movimento para isolar a saci que dera a luz àquele ser estranho. A mãe demonstrava certo desespero com a situação, pois sentia que, mesmo não externando esse sentimento, todos queriam explicações, mas ela não as tinha e sofria com a possibilidade de ver seu filho sendo vítima de preconceito no futuro.
O sacizinho cresceu um pouco e, nos seus primeiros passos, tropeçava nas pernas e caía, invariavelmente. “Tadinho!”, sussurrou Samba. Lambada continuou contando que os outros sacizinhos riam muito e começavam a isolá-lo de suas brincadeiras. Passados mais alguns anos, o saci, já se equilibrando, percebeu que, com duas pernas, poderia ser muito mais rápido que todos os sacis da comunidade e aí passou a ser vítima da inveja de alguns, já que ele era o mais solicitado para as tarefas mais difíceis. Essa inveja fortaleceu o preconceito de outros, que, veladamente, se juntaram contra aquele saci. “O impressionante”, dizia Lambada, “é que quanto mais o ódio por ele crescia, mais ele amava sua comunidade; maior era sua dedicação à ela.”
Continuando, contou que os anos foram mostrando para a comunidade que a diferença daquele saci não era apenas na aparência, mas também, na capacidade de amar. Todos diziam que ele não era apenas mais veloz que os outros, mas também amava mais que todos. Ele dizia que não amava mais, nem menos, mas simplesmente de forma diferente. Por fim, depois de ter adquirido o respeito de todos e de ter se tornado um dos líderes, o saci foi embora sem avisar ninguém, deixando a comunidade saudosa, mas feliz por ter convivido muitos anos com aquele ser tão especial. Acontece que o saci resolveu ir embora de sua comunidade quando descobriu que havia nascido com outro defeito. No seu peito batiam dois corações.
“Dizem que hoje ele anda por todas as florestas e cidades deste país espalhando seu amor e que quando sentimos súbitas alegrias sem motivos aparentes, é ele quem está passando em nossa frente, mas, de tão rápido, nem conseguimos vê-lo.”, finalizou Lambada.
Confesso que foi difícil conter as lágrimas e ficamos todos sem voz, com exceção de Rumba, que por estar em fase final dos estudos, acostumou-se a colocar suas dúvidas. “Será que os homossexuais também têm dois corações, por isso, podem amar mais?”, perguntou. “Não! Eles não amam mais, nem menos, apenas de forma diferente.”, respondeu a Salsa. “E aquele deputado não entendeu isso ainda?”, replicou a cadelinha. “Um dia ele vai entender. Um dia todos vão entender”, profetizou Maracatu.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
DANÇA CONTEMPORÂNEA EM CASA
(publicado em 30/10/2006)
Hoje não precisamos, eu e Lisa, de despertador pra acordar. Estavam todos, as cadelas e o casal de sacis, no gramado, embaixo da janela do quarto, falando muito alto. Destacava-se a voz de Lambada, a saci fêmea, que dirigia uma sessão de exercícios matinais. Ficamos meio putos, porque havíamos dormido tarde, já que no dia anterior assistimos ao belo espetáculo “Trilhos”, produzido pela Lisa, com o grupo de dança contemporânea “Avus”, e, na empolgação, ficamos até mais tarde conversando sobre o evento.
O que me deixou cabreiro, é que Maracatu e Lambada sabiam disso, já que os vi na apresentação e tenho certeza que eles nos viram indo para o bar.
Abrimos a janela para brigar, mas não conseguimos, porque a cena que vimos era para ser contemplada: Maracatu, Samba e Salsa alinhados no gramado e Lambada, vestida de colant, com sapatilha no pé e faixa na cabeça, criava uma coreografia de dança contemporânea.
Assistimos por um momento e percebi que Lambada tentava passar aos outros as coreografias que havia assistido no dia anterior. Notei ainda, que Lambada já estava com os trejeitos da protagonista do espetáculo. Além disso, ela exigia que os outros não só executassem as funções dos bailarinos do espetáculo “Trilhos”, como os chamava pelos nomes destes.
Quando Lambada permitiu uns momentos de descanso, chamamos todos para uma breve conversa. Perguntamos o porquê daquilo e Lambada disse que ficou tão empolgada com o espetáculo “Trilhos”, que queria montá-lo com o pessoal da casa. Concordamos com Lambada em relação à beleza do espetáculo, mas opinamos que eles deveriam se reunir e criar um novo espetáculo.
Salsa, sempre muito sensata, lembrou que havia sugerido exatamente isso para Lambada. “Mas ela cismou que os componentes do grupo Avus são insuperáveis e devem ser somente imitados.”, contou Salsa.
Concordei que o Avus realizou um trabalho muito bom, mas argumentei que o grupo que estava se formando em casa precisava de uma identidade, mesmo que o primeiro trabalho não saísse tão bonito e competente como o “Trilhos”.
Lambada concordou e Samba foi logo pedindo para que liberássemos os CDs e os livros para que eles pesquisassem e tentassem montar algo novo. “Vamos precisar também de uma pequena estrutura de som e luz.”, pediu Samba.
Eu e Lisa liberamos tudo e fomos trabalhar.
Ao chegarmos do trabalho, da calçada dava pra ouvir a música de Antonio Nóbrega tocando nos fundos da casa. Pensei comigo: “a pesquisa foi boa”.
Ao chegarmos na lavanderia, sem que nos notassem, vimos CDs da Inezita Barroso e de outros expoentes da nossa música caipira espalhados na prateleira de materiais de limpeza e Lambada dirigia uma reunião.
Sua última fala foi a seguinte: “Com muita garra, faremos um espetáculo de dança contemporânea muito bom. Não vamos superar o Avus, mas faremos bonito”.
Soubemos depois que o título do espetáculo que eles bolaram é “A revolução das entidades folclóricas brasileiras” e que o nome escolhido para o grupo é “BrAvus”, com o “B” e o “r” pintados de verde e amarelo respectivamente.
João Bid