quinta-feira, 27 de outubro de 2011

TOM DIEGO

Naquela madrugada, ficamos um tempo acordados com os miados enfurecidos que vinham do quintal do vizinho. “Ele achou um gato pra brigar.”, disse a Lisa, se referindo ao Tom, nosso gato. “Fazia tempo que ele não saia de casa pra brigar.”, observei. “Apareceu algum gato novo na área.”, concluiu a Lisa.
De manhã, chega o Tom cansado e com as unhas esfareladas, procurando um espaço pra dormir.
Antes dele se acomodar, verifiquei se ele não apresentava nenhum machucado. Não, não tinha se machucado. Mais uma vez ele havia brigado e, pelo jeito, se saiu vitorioso, apesar de eu entender que numa briga não há vitoriosos. Todos perdem.
“Tom... Tom... vamos conversar!”, chamei. “Deixa ele dormir, João! Ele ta cansado.”, me aconselhou a Lisa. “Eu tô cansado. Deixa eu dormir e depois a gente conversa. Já sei que vocês não estão felizes com minhas brigas, mas depois explico.”, disse o Tom, já dando voltas e fazendo ninho no sofazinho laranja que temos na sala. “Ah! Ele sabe que fez besteira, mais uma vez.”, falei, me dirigindo à Lisa.
Todos os animais que vivem em casa têm dois nomes e um sobrenome; já os divulguei em outros artigos; o Tom é o único que tem apenas um nome e sobrenome. Pra quem não se lembra, ele se chama Tom Raviolli, uma homenagem a nosso amigo Tom Ravazolli. Depois dessas brigas, resolvemos dar um segundo nome ao Tom. Agora ele se chama Tom Diego Raviolli.
As pessoas da nossa geração devem estar pensando que Tom Diego é uma homenagem ao Zorro, pseudônimo daquele personagem justiceiro da nossa época, cujo nome era Dom Diego de La Vega, mas não é. O Diego, do Tom, é uma homenagem a um amigo, um dos nossos queridos “filhos”, que adora uma encrencazinha. Obviamente, ele sempre tem razão nessas brigas, como o nosso Tom, mas, vira e mexe, ficamos sabendo de mais uma.
Quando falei pra Lisa que o Tom passaria a se chamar Tom Diego, pelos motivos já expostos, ela disse: “Mas o Rodolpho vai ficar com ciúmes, pois ele sempre está com o Diego nessas encrencas”. É verdade. O Rodolpho sempre está ao lado do Diego nas brigas, mas escolhi Diego, porque, como o Tom, é ele quem ganha as brigas e sempre sai intacto. Em compensação, o Rodolfo sempre se dá mal.
Expliquei tudo isso, inclusive, na presença de Maracatu e Lambada, o casal de sacis, que havia acabado de chegar e estava sentado na tesoura aparente, que sustenta o telhado da nossa sala. “Nossa! O Rodolpho e o Diego são tão legais. Não dá pra imaginar que eles perdem tempo com brigas.”, disse, a sempre sensível, Lambada. Respondi que são duas pessoas maravilhosas, mas brigam. “Num momento em que o ser humano está necessitando de carinho, de compreensão...”, divagou Maracatu. “Pois é! O pior é que são duas pessoas sensíveis.”, disse a Lisa. “Mas são jovens.”, afirmou Lambada, que arrematou: “Mais tarde eles vão aprender a dar às costas para a ofensa; vão aprender a se colocar num nível superior a essas bobagens de machistas antigos. Mas, se são sensíveis, eles têm a chance de entender tudo isso mais rápido”.
“Eu sei o que é isso.”, disse o Tom, agora Tom Diego, acordando. “Nós temos a necessidade de defender nosso território; o compromisso de demarcar nosso espaço; e a vaidade de mostrar pras gatas da nossa área, quem é que manda no nosso quintal. Nada podemos fazer contra nossos instintos.”, concluiu o gato. “Pode parar Tom. Você está colocando Rodolpho, Diego e você no mesmo caldeirão, o que não está correto. Teoricamente, você tem um pouco de irracionalidade ainda e podemos entender essa coisa de não dominar o instinto. Não é o caso deles.”, argumentei. Nessa altura da conversa, as cadelas já estavam na porta da sala ouvindo a conversa e Salsa não resistiu à sua vontade de filosofar. “É mais fácil ter ódio. O ódio não inibe; o amor, sim. As pessoas têm vergonha de amar. É muito difícil você presenciar uma explosão de amor, enquanto que a manifestação de ódio é corriqueira entre os humanos. Precisamos pensar nisso...”, fechou a conversa nossa idosa cadela, que, em seguida, saiu cheirando as flores que nesta época do ano brotam das ervas daninhas e colorem nosso gramado.
Jamais vou contar este nosso papo pros nossos dois queridos, porque eles podem achar que nós só sabemos criticar e talvez não entendam que, por gostarmos tanto deles, acabamos sentindo as mesmas preocupações de pais verdadeiros; daqueles pais que querem criar seus filhos sem preconceitos, ligados às artes, amantes de livros e discos, enfim, daqueles pais que querem contribuir para que seus filhos sejam seres humanos de verdade.
Mas acreditamos que um dia eles, nossos queridos, vão entender que é menos dolorido para todos, tanto física como sentimentalmente, fugir das confusões e deixar os adversários com a sensação da vitória. Pode ser que eles aprendam com isso.    

João Bid

2 comentários:

  1. João, é sempre assim, eu adoro as histórias destes seres tão especiais que vivem com você.
    beijos
    Lilian

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  2. No tempo em que os bichos falavam havia muita sabedoria, como relataram Esopo, Fedro, La Fontaine e, agora, João Bid.

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