quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O BATIZADO DA MARIA CECÍLIA DEU O QUE FALAR EM CASA

Fui ao batizado da minha sobrinha/neta, a Maria Cecília, no domingo, dia 7, e logo que cheguei na igreja vi que Maracatu e Lambada já estavam sentados ao pé da escadaria que leva ao altar. Eles não perdem um evento que tem a ver comigo ou com a Lisa, mas achei estranho o casal de sacis se interessar por um batizado. Não dei bandeira, mas fiz sinal pra eles não aprontarem nenhuma na igreja e eles concordaram, fazendo um gesto que dizia que eles sabiam onde estavam. Ainda bem que ninguém os viu e, se viu, não se assustou, ou não acreditou... Sei lá! Quem os viu e adorou, foi a Maria Cecília. Eles ficavam fazendo graça e ela sorria o tempo todo, o que deixou todos os presentes encantados com ela. A Maria Cecília é uma graça e me deixou muito feliz por não estranhar meus sacis. Até aí, tudo bem!
Após o batizado, eu e Lisa tínhamos um compromisso em São Roque e voltamos pra casa somente no início da noite. Todos estavam na varanda num papo barulhento, porque falavam ao mesmo tempo. O Tom, deitado na espreguiçadeira, a mesma que era da Rumba, mas a Rumba cresceu tanto, que não cabe mais naquele espaço; as cadelas, deitadas no chão; e o casal de sacis, que coordenava a conversa, sentado na mesinha. Desta vez a conversa era sobre Deus. Conversa, aliás, que começou depois que Maracatu e Lambada contaram sobre o batizado da Maria Cecília.
Eu e Lisa, cansados e percebendo a complexidade do tema, passamos no meio da turma e fomos entrando na casa. “Ajudem a gente a entender algumas coisas sobre Deus.”, pediu a Valsa. “Será que nós sabemos mais do que vocês?”, perguntou a Lisa. “É claro que sim. O Maracatu e a Lambada contaram pra gente sobre o batizado da Maria Cecília e, segundo eles, o padre falou o tempo todo sobre Deus. E você deve saber tudo, João, porque em nenhum momento questionou o padre.”, disse o Tom. “Saia dessa!”, me disse a Lisa, indo direto para o banho.
Percebi que não conseguiria escapar da conversa e sentei na soleira da porta. Comecei me confessando um ignorante no tema, além de agnóstico, por isso, seria difícil falar sobre algo que foge das explicações humanas, mas informei que o batizado da Maria Cecília era uma reunião de cristãos católicos e, para estes, existe um único Deus, que é pai de Jesus Cristo e criador deste mundo. “Criou todos nós?”, perguntou a Rumba. “Se é o criador deste mundo, criou todos nós.”, disse ironicamente a Samba. “Então o mundo está sob os olhares de um único Deus?”, perguntou a Salsa. Eu disse que, para os cristãos, sim, mas argumentei que existem outras religiões, cujos fiéis acreditam em Deuses, ou num outro Deus.
A coisa começou a ficar complicada, quando a Valsa resolveu analisar a situação. “Hitler era cristão; São Francisco de Assis era cristão; isso quer dizer que o Deus de Hitler é o mesmo Deus de São Francisco?”, perguntou a cadelinha.  Respondi que, teoricamente, sim. “Mas o Deus do vereador Carlos Apolinário não pode ser o mesmo Deus da irmã Dulce, por exemplo, embora os dois sejam cristãos. O Apolinário acabou de propor a criação do ‘Dia do Orgulho Heterossexual’, para preservar a família e os bons costumes, demonstrando claramente todo seu preconceito, coisa que a irmã Dulce jamais teve. Como é possível os dois acreditarem no mesmo Deus?”, filosofou Lambada. Fiz uma tentativa de falar, mas fui interrompido por Maracatu. “Frei Tito e Médici eram cristãos. Um foi torturado quando o país era comandado pelo outro. Seguiam o mesmo Deus?”, perguntou o saci.
Após essa pergunta, fez-se silêncio e todos refletiram. “Cada um de nós tem seu próprio Deus.”, definiu Lambada, interrompendo o silêncio. “Ou... cada um de nós é Deus.”, concluiu Tom, sorrindo e enchendo o peito para iniciar um discurso. Interferi citando uma poesia de Roberto Godinho, um escritor são-roquense, que fala sobre a ansiedade de um homem no dia em que conheceria Deus e sua surpresa quando lhe mostraram um espelho.
Não chegamos à conclusão alguma, mas avançamos um pouco num tema que deverá estar presente em outras de nossas conversas, que também não serão conclusivas.
Encerramos aquele papo, mas percebi que as cadelas, os sacis e o gato ficaram um pouco frustrados, porque, tarde da noite, da janela do meu quarto, ouvi trechos do debate que eles ainda travavam na porta do quartinho, até que a Valsa, entre um bocejo e outro, questionou Maracatu e Lambada. “Por que vocês não perguntaram pra Maria Cecília? Acho que só ela tem essa resposta.”
O Tom, que estava quase dormindo ao pé da minha cama, despertou. “Sabe que a Valsa tem razão!”, disse o gato, arrematando, um pouco decepcionado: “Pena que nós nunca vamos saber, porque quando a Maria Cecília estiver falando já terá recebido todas as influências do meio e não se lembrará desta e de muitas outras coisas interessantes.” Colocou a pata esquerda sobre os olhos, para evitar a luz da TV, e voltou a dormir.

João Bid

2 comentários:

  1. Como sempre, muito legal. E neste caso, muito apropriado. Uma boa idéia essa conversa, se o Deus de um idiota é o mesmo de alguém mais inteligente.
    beijos
    Lilian

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