quarta-feira, 8 de setembro de 2010

JINGLES DE CAMPANHAS ELEITORAIS. FALTA CRIATIVIDADE

Agora não somos mais acordados pelos bucólicos sinos da igreja nas manhãs de domingo. É que moramos na Vila Sorocabana, em Mairinque, onde, aos domingos, acontecem as feiras livres e, com a campanha eleitoral, a concentração de cabos eleitorais nas proximidades da minha casa é enorme, todos buscando votos para seus candidatos junto aos clientes da feira. Com eles, inúmeros carros de som tocando ao mesmo tempo, e em volume exagerado para um domingo de manhã, os jingles de campanha. Verdadeiras pérolas. Eu e Lisa conhecemos todos e esses candidatos conseguiram, além de perder nossos votos, nutrir um sentimento no mínimo esquisito, que não podemos chamar de admiração.

Os jingles já foram mais interessantes em outras épocas, mas hoje, talvez por uma espécie de aculturação visível e audível, viraram retalhos de músicas de mau gosto, que irritam até os fiéis que se dirigem às missas tão contritos e de alma, teoricamente, limpa.

Uma vez, o Pisca, meu amigo, que cozinha maravilhosamente bem, me segredou, depois de receber um elogio meu pela comida que havia feito: “João, a gente mistura um monte de coisa boa e não tem como ficar ruim”. Mal comparando, digo que os atuais jingles são uma mistura de um monte de coisa ruim, que nunca poderiam ficar bons.

Neste último domingo, pra variar, fomos obrigados a levantar cedo. A Lisa levantou antes e, quando sai do quarto, ela estava no final do corredor me fazendo sinal de silêncio e apontando para fora da casa. Fomos nas pontas dos pés até a janela e vimos Maracatu e Lambada, os sacis, sentados na estrutura de ferro que sustenta a lona de cobertura da garagem; Tom, o gato, em cima de um dos pilares do portão; Samba e Salsa, as cadelas mais velhas, deitadas no gramado, com os focinhos esbarrando na grama, o que permitia que as duas colocassem as patas dianteiras nos ouvidos; e Valsa, a cadelinha, dançando no centro da circunferência de ladrilhos, onde se encontra desenhado o símbolo yin e yang, ao som do jingle das candidatas a deputadas federal e estadual, que mais estão investindo nos eleitores de Mairinque (para não dizer “que mais estão enchendo o nosso saco”).

Salsa, com cara de poucos amigos, gritava pra Valsa parar de dançar aquela música horrível. “Não é a dança, é a música que tem que parar.”, gritava Samba, demonstrando extrema irritação. De fato, eu e Lisa concordamos, silenciosamente, que a dança não estava ruim. Aliás, cá entre nós, a Valsa estava uma gracinha. Ela fazia uns passos difíceis em duas patas, alternando dianteiras e traseiras, e conseguia desenhar um movimento com a cabeça e outro com a calda, que nos deixou extáticos.

Vendo que Salsa e Samba poderiam ter um treco, Maracatu e Lambada saíram pulando pelos muros da redondeza até sumirem.

E a música continuava e Valsa cada vez mais empolgada com os novos passos que inventava. E Salsa e Samba cada vez mais irritadas. Não sei dizer se o Tom estava gostando ou não, porque ele começou a pular de pilar em pilar, além de se equilibrar na grade existente entre eles. De repente o som parou e foram parando todos os outros que estavam abafados pelo volume do jingle das candidatas, até que se ouviam apenas os pregões dos feirantes.

Valsa parou se equilibrando em apenas uma das patas dianteiras, com as traseiras para o alto e olhando em direção de Samba e Salsa, que tiraram as patas dos ouvidos e aplaudiram. Tom voltou para um dos pilares e Maracatu e Lambada chegaram alguns minutos depois limpando as mãos. “Acho que eles vão demorar um tempão para descobrirem o defeito no som de seus carros.”, disse Lambada, escondendo um sorriso no olhar.

“Ah! Foram vocês que pararam o som? Tava tão gostoso.”, reclamou Valsa. “Outro dia você tava dançando uma música tão bonita do Milton Nascimento, que eu até me emocionei, mas dançando essa porcaria eu não acho legal. Parece meio vulgar.”, falou, com bastante calma, a Samba. “O pior é que esses jingles são plágios.”, informou Lambada. “Não pode ser Lambada! Plágio é crime e as candidatas não cometeriam um crime em plena campanha. Principalmente elas, que estão querendo ser deputadas.”, argumentou Salsa. “O que é plágio?” perguntou Valsa. “No caso desse jingle, as candidatas pegaram uma música que faz sucesso e colocaram uma letra que fala bem delas. Se elas não tem autorização do compositor da música, estão cometendo o crime de uso indevido de uma propriedade intelectual.”, explicou Tom. “Falou bonito, Tom!”, brincou Maracatu, que completou ironizando, “as futuras deputadas começam dando ótimos exemplos, caso não tenham a autorização”.

“Eu não sabia que era música de campanha eleitoral. Pensei que era a propaganda de novas bonecas, tipo Barbie.”, revelou Valsa, após uns bons goles de água. “Não é muito diferente disso.”, disse Salsa, concluindo com uma convocação. “Maracatu e Lambada, vamos precisar de vocês no próximo domingo.”

João Bid

3 comentários:

  1. O Senhor tem muita imaginação!
    Li, gostei e vou postar link no meu blog ok?
    tenho feito enquetes com meus alunos e ninguém diz que vota por causa dos jingles.
    Vamos fazer uma lei proibindo aqui em mairinque?

    ResponderExcluir
  2. Você com seus textos fantasticos.
    Um grande cantor, poeta e acima de tudo escritor.
    Abraços
    Gui

    ResponderExcluir
  3. Se estivesse aí em Mairinque, de vez em quando participaria dessas conversas fantásticas sobre essas coisas fantásticas.

    ResponderExcluir