quinta-feira, 12 de agosto de 2010

DESMATAMENTO NO HORTO FLORESTAL

“Aqui, a destruição do meio ambiente começou na década de 70, do século passado, quando começamos a abandonar o Horto, a represa Itupararanga, a Estação Ferroviária e tudo que tínhamos de mais bonito e valioso, para cuidarmos da industrialização.”, falei à Lisa, numa de nossas conversas diárias e matutinas. Falávamos sobre a notícia que dava conta de mais uma devastação de eucaliptos na cidade de Mairinque. Desta vez, no Parque Municipal do Horto Florestal Antonio Anselmo. O cúmulo do paradoxo.

Lamentávamos o fato e buscávamos explicações, quando Maracatu, o saci macho, ainda do lado de fora da casa, não agüentou e pediu licença para entrar e interferir na conversa. “É simples! Desconhecimento histórico de quem deu a ordem para cortar os eucaliptos”, disse ele.

A Lisa, que é licenciada em história e gostou da intervenção, perguntou qual era a relação nesse caso.

“Quem deu a ordem deve estar apoiado naquela teoria que coloca o eucalipto como uma vegetação menor e até prejudicial ao solo, porém, se esquece que Mairinque tem origens na ferrovia.”, ensinou o saci. “E o que a ferrovia tem a ver com o corte de eucaliptos?”, perguntou Samba, que estava deitada no tapete, que fica na porta da cozinha. “Com o corte, nada, mas sim com o plantio. A madeira era o combustível usado pelas locomotivas, por isso, a antiga Estrada de Ferro Sorocabana criou hortos florestais em várias cidades por onde a ferrovia passava.”, respondeu Maracatu.

Salsa, que estava sob a janela da cozinha, degustando um pedaço de pão, tinha tudo pra não entrar na conversa, mas acabou não resistindo. “Você bem disse, Maracatu. A madeira era o combustível; não é mais; então, nada impede que seja cortada.”, ironizou a cadela. Maracatu, um pouco irritado, continuou, “Ainda não entrei no caso do corte em si, estou primeiro historiando. O Horto Florestal de Mairinque é um caso especial, porque ali funcionava uma espécie de laboratório, já que foram plantadas várias espécies de eucalipto com o objetivo de se chegar no apropriado para a utilização deste como combustível. Por isso, aliás, é que Mairinque era comparada a Campos do Jordão. O ar daqui era muito bom para tratamento de algumas doenças respiratórias, porque os eucaliptos garantiam essa qualidade.”, concluiu Maracatu.

Tom, o gato, estava dormindo no pufe e, vez ou outra, abria os olhos como que pedindo para a conversa manter um nível de volume aceitável, mas percebia-se que, mesmo sonolento, estava entendendo o rumo da discussão. Quem não estava entendendo, era a Valsa, a cadelinha mais nova. “Tudo bem, essa história é muito bonita, mas o que tem a ver com os cortes dos eucaliptos?”, perguntou ela. “Tudo a ver...”, respondeu Lambada, a saci, que até ali, se mantinha muito atenta, continuando, “alguém que conhece essa história, que sabe da importância dessa árvore na criação deste município, jamais se arriscaria a passar pela vergonha de autorizar essa devastação. Aliás, essa pessoa não deve nem conhecer o Hino Oficial de Mairinque. Se conhecesse, não daria a ordem, pois imaginaria que não foi de graça que os autores do hino colocaram um papel de destaque para os eucaliptos naquela letra.”, ressaltou Lambada.

“Parabéns Maracatu! Parabéns Lambada! Realmente perfeita essa análise.”, sentenciou a Lisa, que completou: “E, mais uma vez, a falta de investimentos na cultura acaba gerando conseqüências lamentáveis e altamente prejudiciais para uma comunidade inteira.”

“E vocês, que estão aqui desde a década de 60 do século passado e vivem falando de investimentos na cultura e nas artes, não fizeram nada?”, perguntou a Salsa. “Salsa! Você já ouviu alguém falando que pregou no deserto?”, perguntou o Tom, com a voz um pouco rouca, por conta de um pigarro, natural em quem acaba de acordar. Salsa, se dirigindo para o quartinho, gritou que sim. “Pois é! Acho que esse é o caso.”, concluiu o gato. “E se não derem um basta nessa devastação, os mairinquenses vão acabar pregando no deserto, literalmente.”, profetizou a Samba, também gritando, pois acompanhava a Salsa.

Terminamos ali nossa conversa, mas ainda deu tempo de ouvir a Valsa, correndo atrás das outras cadelas, quase na porta do quartinho, perguntar pra Samba: “Se Mairinque virar um deserto, você não acha que as pessoas vão querer criar camelos e a gente acaba perdendo nosso espaço?”. Samba não respondeu, mas balançou a cabeça e sorriu.

João Bid

5 comentários:

  1. Se virar um deserto, dá prá fazer um projeto como aquele que fizeram em Dubai, vai arrasar! Poderia se chamar Dubairinque!
    Abração
    Mingo

    ResponderExcluir
  2. Parabéns João. Excelente o artigo! Meus pêsames para quem está autorizando tamanha sandice! Não só não conhece o hino de Mairinque, mas também desconhece o SENTIDO DA VIDA!
    Continue pregando no deserto, pois é lá que estão àqueles que podem ouví-lo.
    Abraços
    Dervile

    ResponderExcluir
  3. ENTARDECER


    NELSINHO MORALLE









    ENQUANTO O DIA ADENTRAVA A NOITE
    CHUVA E SOL BRINCAVAM COMO O QUE!
    UM BRINQUEDO DE AMOR
    COM MISTTÉRIOS E PUREZA
    AOS OLHOS DOS QUE AMAM A NATUREZA

    E ERA ASSIM, A LUZ DO SOL
    NA SERRA BEIJAVA A CHUVA
    QUE SE ENTREGAVA DO CÉU PRA TERRA
    TRAZENDO UM FRESCOR, LUZ E MUITA COR

    MARCANDO OS ÚLTIMOS RELUZES DO DIA
    COM VIBRAÇÕES DE AMOR
    E ERA MESMO ASSIM
    GOTAS NOS CORPOS, CORPOS EM CORES
    RAIOS NAS GOTAS
    E UM ARCO-IRIS COLORIA
    A MINHA VONTADE DE SORRIR

    ResponderExcluir
  4. Recebi do meu amigo Pirelo esta carta que ele escreveu em 1981. Achei bacana postá-la aqui.

    "Porto Alegre, 25 de novembro de 1981.

    Querido Horto Florestal,

    Ola amigo Horto, como vai? Espero depois de muitos anos, encontrá-lo gozando de perfeita saúde. Tenho tido notícias tuas pelo jornal “O Democrata”, que o meu amigo e companheiro Rubens me envia semanalmente. Tenho ouvido dizer que você já não mantém mais aquela juventude e beleza, que o saudoso Dr. Jonas lhe obrigava a manter, pois eras o cartão de visita de nossa querida Mairinque. Que já não recebes mais aquele povaréu todo que vinha de Sorocaba, Itu, São Roque, Itapevi, São Paulo, etc., etc., etc..., para também te admirarem e aproveitarem da tua paz e beleza.
    Soube que já há alguns anos que vens envelhecendo e desgastando. Segundo tenho lido e ouvido, a tua decadência iniciou quando da saída do Dr. Jonas e da tua aquisição pela Prefeitura. Querido Horto, amigo de muitos e muitos anos, dos quais tivemos o prazer de desfrutar dos teus encantos. Quando da minha ultima estada em Mairinque, fui fazer-te uma visita e já te achei agonizante, e agora longe de ti, cada vez que leio “O Democrata”, sinto que da minha próxima visita, o encontrarei morto. Oh! Querido Horto, será que cada prefeito eleito em Mairinque quer ter o prazer de tirar pelo menos um pouquinho da tua vida?
    Quando por lá brincávamos por entre as tuas flores e matas e quando mesmo escondido nadávamos nos teus lagos, sentíamos a tua vida e beleza. Hoje, segundo as notícias que tenho tido de ti, é que tão agonizante estas que já nem lágrimas tens para chorar e encher novamente os teus lidos lagos. Hoje recebi novamente o “O Democrata”, e já não foi surpresa as notícias que li, que até as tuas poucas lagrimas ocultas querem secar. Fiquei contente, porém, quando em outra página do “O Democrata”, li que a Câmara Municipal, havia rejeitado o projeto do “Dr., Gemente”, o qual daria direito à Cargil de tirar o que lhe resta da tua vida. Surpresa maior tive quando li que o “Dr. Gemente”, contrariando a decisão da Câmara, autorizou a perfuração de poços nos teus olhos para sugar as tuas ultimas lágrimas.
    Oh! Querido Horto, tomara que os senhores vereadores acordem e antes que tu sucumbas, votem um projeto de lei proibindo de uma vez por todas a tua total depredação e dotem uma verba para que te tornem novamente belo e formoso.
    Querido amigo, dentro de alguns dias estarei novamente na nossa querida Mairinque e espero encontrá-lo já em fase de convalescência.
    Receba deste teu amigo, que muito lhe deve e ama, um forte e carinhoso abraço de saudades.

    Pirelo."

    ResponderExcluir