terça-feira, 15 de junho de 2010

CASTIGO

No início da semana, no trabalho, eu, Chiquinho e Wagner conversamos sobre as dificuldades de se criar um filho nestes tempos, porque, se descuidar, os filhos acabam determinando os rumos da coisa e você termina refém. O Chico tem dois filhos homens e uma menina e o Wagner um casal. Como não tenho filhos, acabei mal comparando com a minha situação de refém das minhas cadelas, meus sacis e meu gato.

Nós três trabalhamos juntos e dividimos o mesmo espaço há vinte anos, porém, pelas características de cada um, convivemos muito bem e penso até que daria para ficar mais uns vinte anos juntos. Nos divertimos muito, filosofamos, nos indignamos, sem esquecer da questão do trabalho, que, por incrível que possa parecer para quem nos conhece, tocamos com muita seriedade.

Mas, falávamos sobre a força das crianças e a personalidade de alguns jovens e adolescentes, que conseguem dominar e comandar uma família (não é o caso de nenhum dos dois). Nossas opiniões são diferentes, mas não divergentes. Eu, para variar, acho que falta cultura, aqui representada por seu braço mais forte: a arte.

Um dia depois, ao chegar de São Roque, onde dá aulas e dirige um grupo de teatro formado por adolescente, a Lisa me contou que o pai de uma das alunas a proibiu de se apresentar com o grupo num evento, como forma de castigá-la, porque esta havia cometido uma falta qualquer na escola.

Diante da coincidência, contei a conversa que tive no trabalho e elogiei o fato de a aluna da Lisa ter obedecido o pai, argumentando que uma menina que faz teatro entende com mais facilidade o que significa o respeito pelo pai. “É a arte!”, comemorei.

“É! Mas foi exatamente a arte que o pai pensou em cortar como forma de castigar a menina.”, disse o Tom, em cima do pufe, de onde acabara de acordar, ainda meio bocejando. “Eu ia dizer isso.”, se manifestou a sempre muito sensível Lambada. “Acho que são saudáveis esses castigos. É preciso fazer com que o adolescente sinta que cometeu uma falta, por isso, é importante que os pais os impeçam de fazer algo que gostam.”, disse eu, pensando no papo que tive com meus amigos. “Concordo. Mas precisava ser o teatro, já que, como você mesmo disse, foi o próprio teatro que ensinou a menina a respeitar o pai?”, argumentou Maracatu. A Lisa abriu um sorriso irônico, que normalmente me irrita, mas desta vez, entendi que havia uma incoerência na minha fala. Olhei para o tapete, onde se encontravam Samba, Salsa e Valsa, em busca de apoio. “Acho melhor colocar a Valsa no teatro, ou na música, pra ver se ela acalma um pouco”, disse a Samba. A Salsa nem precisava dizer nada. Seu olhar era mais irônico que o riso da Lisa. “Quero fazer dança!”, disse a Valsa, já esticando as patas dianteiras para o alto e dando um rodopio.

“O pai poderia ter cortado duas semanas de internet.”, disse a Salsa; “ou três finais de semana de baladas”, disse a Samba; “ou dois meses sem beijar o namorado”, disse a Valsa. Inevitável! Todos riram.

Assumi minha incoerência e ficamos nos questionando sobre a necessidade de fazer as crianças e os adolescentes terem contato com as artes, mas de forma muito séria e não somente como uma forma de ocupar seus tempos. “Ainda vai demorar um pouco pra entenderem isso, principalmente o poder público.”, concluiu Lambada.

A Lisa quis continuar no tema e ressaltou o ambiente isento de preconceitos no mundo das artes, o que, em sua opinião, contribui ainda mais para a formação de verdadeiros cidadãos. “Sem falar na possibilidade de descobrir talentos artísticos.”, lembrou Maracatu. “Tenho absoluta certeza de que entre os adolescentes envolvidos em atos de vandalismo, nenhum está ligado de alguma forma às artes.”, garantiu Lambada, chamando Maracatu para a saída noturna. “Você tem razão. É porque a arte trabalha a sensibilidade da pessoa.”, definiu o Tom, com ar intelectualizado.

Debatemos mais um pouco, concluindo que, mesmo que seja como um trabalho de formiga, devemos insistir diariamente na importância da arte para a formação do ser humano e pedir para os pais, também diariamente, que não castiguem seus filhos tirando a possibilidade do contato deles com as artes.

Mais tarde, quando as cadelas se dirigiam ao quartinho pra dormir, ao passarem pela minha janela, ouvi a Salsa falando pra Valsa: “Tô morrendo de sono. Amanhã, não quero que você acorde cantando.” “Você não entendeu nada, Salsa?”, reclamou a Valsa. “Brincadeirinha... brincadeirinha...”, disse a Salsa, bocejando.

João Bid

3 comentários:

  1. AMEI seu texto e já estou louca para ter um tempinho para ler todos os outros.Sinto muita saudades do tempo que sentavamos aquela mesa imensa e altos papos rolavam. E pode parecer que não, mas era tudo profundo, até a festa "light", lembra? Acho que aquele afeto,carinho, união ficaram pra sempre marcados no meu coração. Vc é um artista em todas as áreas. Vc cantando é show e escrevendo, adorei. É o JOÃO meu AMIGO. Tornei -me sua seguidora. Um abraço.

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  2. É João, sempre a Arte.Ela que nos alimenta a alma.Ela que nos dá asas. Ela que como alguém ja disse,"não muda nossa vida, muda o nosso olhar pra vida".
    Como é bom nos embriagarmos de arte!Seja ela qual for.Oxalá os pais de hoje que há algum tempo eram nossos colegas e nossos alunos , mantenham essa chama viva em seus corações e a cultive também nos de seus filhos,netos,etc...
    Obrigada por mais essa! bjus a vcs.

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  3. sabia q eu estou fazendo utrabalho para a escola?do saci entao quuero coisas do saci nao da salsa

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