quinta-feira, 5 de abril de 2012

LEI, ORA A LEI!

Entrei no quartinho das meninas e a Samba estava no centro, com as quatro patas pra cima e quase morrendo de rir. Na porta de entrada, estava a Salsa, também rindo muito. Rumba, deitada na namoradeira, ria, mas suas expressões mostravam que ela estava entendendo muito pouco da conversa. Valsa, em pé, ao lado da namoradeira, estava com as patas dianteiras pra cima, e marcando passos, como se estivesse comemorando algo. Maracatu e Lambada, cada um em cima de uma prateleira, contavam as piadas. “O casal de sacis, contando piadas?”, pensei, parando para prestar atenção, quando percebi que eles estavam lendo para as cadelas a notícia que informava que os senadores estavam debatendo a possibilidade de não mais receberem o 14º e o 15º salários.
“Não sei qual é o motivo de tanto riso. Os caras recebem esse dinheiro indevido faz mais de cinquenta anos e vocês riem como se fosse uma piada? Temos que comemorar, mas esquecer disso!”, falou Valsa, um pouco irritada, sem desmontar a expressão de satisfação.
“Tô rindo do seu entusiasmo com uma coisa que deveria ser normal. Além disso, você não está percebendo que isso não significa avanço.”, respondeu Samba para Valsa. “A Samba tem razão, porque os senadores, deputados, os políticos enfim, não são funcionários, são agentes políticos, não tendo, portanto, direitos trabalhistas. Por isso, esse ato não significa avanço. É apenas uma retomada da normalidade.”, explicou Salsa.
Maracatu levantou a mão, se candidatando para ser o próximo a falar, mas Rumba não deixou e perguntou: “Se estou entendendo, os representantes do povo, que foram eleitos para salvaguardar os direitos do cidadão e fiscalizar a correta aplicação do dinheiro público, são os que mais oneram os cofres públicos?”.  “É mais ou menos por aí, mas acredito que os humanos estão avançando à medida que tomam posições como essa. Cortando mordomias.”, respondeu Lambada. Maracatu conseguiu tomar a palavra para dar um banho de água fria em todos. “Acho que vocês não estão percebendo que existe aí mais um golpe. Todos pensam que os políticos estão tomando uma atitude digna, porém, se esquecem que o 13º salário eles continuarão recebendo, o que não é correto também. Políticos não têm os mesmo direitos conquistados pelos trabalhadores, por isso, eles não recebem salários, mas sim, subsídios.”, denunciou o saci.
“Tem mais essa!”, falou Samba, tomando um ar sério. “O 13º salário também deveria ser extinto, é direito dos trabalhadores e não dos agentes políticos.”, concluiu a cadela.
“Agora tem a lei da ficha limpa. Muito lixo vai ser jogado fora.”, disse o Tom, que acabara de chegar e se posicionara na janela. “Outra mentira!”, afirmou Lambada. “Como mentira? Essa é uma lei de iniciativa popular, apoiada em um milhão e meio de assinaturas, que já foi aprovada.”, argumentou o gato, com cara de quem estava por dentro do assunto. Valsa apoiou o Tom, dizendo: “O Tom tem razão. O país inteiro está aguardando faz um ano para ver os fichas-sujas ficarem fora das eleições.”
“Entendo essa ansiedade, mas vocês se esqueceram que os políticos colocaram emendas no projeto e dificultaram sua interpretação. Pra vocês terem uma idéia, eles colocaram tanta areia que agora o político tem que, além de ter sido julgado e condenado, ter enriquecido ilicitamente. E provar enriquecimento ilícito é quase impossível.”, explicou Maracatu. “O quê?!”, gritou a Salsa, já transtornada. “É isso mesmo. A impressão que se tem, é a de que meia dúzia de políticos se debruçou sobre o projeto e ficou estudando, até eliminarem todas as possibilidades de serem pegos.”, falou, muito desanimada, Lambada. Nesse momento, fez-se um silêncio profundo no quartinho.
Para tentar descontrair o clima, Tom, que há algum tempo se acostumou a assistir futebol comigo, nos domingos à tarde, disse, em clima de piada: “Dizem até, que um político sugeriu que colocassem um artigo na lei dizendo o seguinte: ‘para não poder ser candidato, o cidadão, além de ter sido condenado, precisa ter sido campeão brasileiro pelo Arapiraca, jogando com a camisa 171, em cima do Flamengo, em pleno Maracanã, com um gol dele, aos 49 minutos do segundo tempo.’”. Ninguém riu, mas Valsa não deixou que o constrangimento se instalasse, convidando a Rumba pra brincar no gramado e saindo correndo do quartinho. Rumba saiu latindo atrás dela.
“Dá vontade de desistir dos seres humanos.”, disse Samba, também saindo do quartinho.
“A Samba é muito ansiosa, ainda não aprendeu que certas mudanças não são do dia pra noite. O mais importante é que os honestos não desistam, porque é exatamente isso que os maus políticos querem. Eles não desistem.”, falou a sempre sábia Salsa.
Maracatu e Lambada se despediram, dizendo que voltariam só no outro dia, pois iriam até Brasília assistir a queda de Demóstenes Torres.
“É! Ainda há esperança.”, concluiu Tom.

João Bid

Um comentário:

  1. João, como sempre sua família de bichanos diz a coisa certa.
    Mas tomara mesmo que Tom esteja certo.
    beijo
    Lilian

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