segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

FIM DE ANO EM NOSSA CASA

Neste final de ano não fizemos “amigo secreto” em casa. A Samba e a Valsa estavam animadas e até me perguntaram quando seria o sorteio dos nomes, mas as lembrei que não tivemos um ano muito bacana, em alguns aspectos, e eu não estava nesse pique. Sugeri que elas se juntassem à Salsa, ao Maracatu, à Lambada e ao Tom, e fizessem a brincadeira, porém, elas entenderam que seria melhor apenas nos reunirmos para os comes e bebes e um bom papo.
Eu e Lisa compramos frutas para o casal de sacis; ração diet e uns bifinhos para a Salsa (Vocês se lembram que ela é diabética, né?); ração comum e uns palitinhos de ossos para Samba e Valsa; e leite semidesnatado para o Tom, além da ração que ele mais gosta. Para nós, as coisas normais de final de ano. Montamos a mesa na varanda, quando estava escurecendo.
Ali pelas oito e meia, chegam Salsa, Samba e Valsa. As três usando fone de ouvido, que haviam colocado logo de manhã, já que os fogos, no final do ano, estouram o dia todo e ficam mais intensos à noite. Elas haviam atacado a caixa de maquiagem da “CiadeEros”, o grupo de teatro que a Lisa dirige, e, além dos cílios postiços, fizeram verdadeiras obras de arte em seus corpos. A Samba e a Salsa são brancas com algumas pintas pretas, por isso, pegaram batom vermelho e fizeram desenhos no corpo todo. “Pra te homenagear, pois você é são-paulino, não é?”, perguntou a Salsa, já sabendo a resposta. A Samba tinha uma estola desenhada em volta do pescoço e a Salsa trazia desenhos que lembravam uma pintura pós moderna no corpo. “Eu quis desenhar pra ela, mas ela fez questão de fazer sozinha.”, disse a Samba. Como a Salsa não enxerga mais, a Samba se ofereceu pra fazer a pintura, mas a Salsa, que está cada vez mais independente, quis se pintar sozinha e eu, cá entre nós, gostei demais do resultado, mas não me expressei dessa forma para a Samba não ficar com ciúmes. A Valsa era um capítulo à parte. Ela chegou toda branca de bolinhas pretas. “Meu Deus, o pancake!”, gritou a Lisa. De fato, a Valsa, que é toda cor de mel, para homenagear as irmãs adotivas, acabou com o pote de pancake do grupo da Lisa e se pintou inteira de branco, usando o que restava de rímel, para fazer as bolinhas pretas. Sem outra atitude a tomar, a Lisa riu.
No comecinho da noite, Maracatu e Lambada foram para o que restou de mata em Mairinque. “Vamos nos confraternizar com os seres da mata e voltamos antes da meia noite.”, informou a Lambada. Mais tarde nos contaram que fizeram uma grande festa com os Curupiras, Boitatás, Caiporas, além de outros sacis que habitam nossa região.
O Tom dormia na cadeira de diretor, que está na sala de TV.
Enquanto não estavam todos reunidos, eu e Lisa ficamos conversando com a Samba e com a Salsa, pois a Valsa não tirava os olhos do Papai Noel, que, depois de ligado, fica fazendo rapel. E sobe e desce. E a Valsa pulando pra tentar pegá-lo. Falamos sobre assuntos diversos e acho até que os vizinhos ouviram tudo, porque as cadelas falavam muito alto pelo fato de estarem de fone de ouvido. Era até engraçado. Eu e Lisa falando normal e elas gritando. Pedimos que elas tirassem os fones, mas se recusaram, porque, virava e mexia, estourava um rojão. E esse acabou sendo nosso principal tema: os estouros dos fogos.
“Engraçada essa atração dos humanos pelos fogos.”, disse Samba. Arrisquei um palpite e lembrei que poderia ser pelo fato de termos raízes indígenas. “Não acho graça nenhuma. Isso é coisa de adulto, porque as crianças tem medo. Acho um desrespeito com os animais, com as crianças, com os idosos, com os doentes e com imigrantes que vieram de países que vivem em guerra.”, argumentou a Salsa, que continuou filosofando, “não entendo como os humanos podem se atrair por algo que foi criado para matar.”, concluiu Salsa. “O quê?!”, perguntou a Lisa. “Pois é! As bombas são criadas para um ser humano matar outro ser humano e, mesmo assim, são admiradas por estes.”, respondeu Salsa. “Isso é muita racionalidade. Mesmo porque, o barulho é horroroso, mas as luzes são muito bonitas.”, contemporizou Samba. “Então é simples.”, disse uma voz no escuro da sala. O Tom acabará de acordar. “Como simples?”, perguntou Salsa. “Basta que os humanos queimem apenas fogos de luzes, sem aquela insanidade de explosões.”, concluiu Tom, com a cara enfiada no pote de leite. “Grande idéia Tom!”, festejou a Lisa. Em seguida, me comprometi com todos que faria de tudo para convencer o próximo prefeito de Mairinque a fazer somente queima de fogos de luzes em suas comemorações, bem como, criar campanhas educativas para que a população também entre nessa história.
Exatamente à meia noite, chega o casal de sacis e todos se abraçaram, se beijaram, desejando que as coisas continuem bacanas em nossa casa.
Samba, espontaneamente, começou a cantar a "Ave Maria", de Schubert, e eu, pra mostrar nosso ecumenismo, cantei um ponto de umbanda do tempo, que o Paulo Moraes me ensinou. Maracatu e Lambada fizeram questão de entrar no clima e cantaram uma música do violeiro Paulo Freire. Pra variar, a Valsa também quis se exibir um pouco e começou a cantar "Atirei o pau no gato", conseguindo uma reação imediata do Tom, que saiu correndo atrás dela. Rimos muito e ficamos pela madrugada falando das coisas alegres e tristes que vivemos em 2010. 
    
      João Bid

7 comentários:

  1. Legal, João! Você escreve bem e me convenceu de que sua cadelas realmente falam, dos sacis e tudo mais, seres muitos reais. E isso me lembrou trechos do livro de Vargas Llosa que estou terminando de reler, sobre técnicas de ficção, onde ele ressalta a importância do poder de persuasão de um autor ao usar as palavras. Mas, ainda que não fosse, tenho duas cachorrinhas e sei que falam (e como!) e também como se incomodam com os fogos. Na passagem do ano, foram tantos aqui, que deixaram os pássaros das árvores ao redor meio malucos, sem falar nos morcegos que habitam as frutíferas do Zé do Nino. Mas uma das minhas cachorras nem ligou, continuou seu cochilo de Ano Novo na almofada cor de laranja... nem aí com o tempo! Talvez tenha se acostumado a viver na terra do sinos e rojões, ou está mesmo surda pela idade.
    Mas valeu! Tô seguindo!
    Feliz 2011!

    ResponderExcluir
  2. Muito bacana seu blog! parabéns pelas postagens criativas e bem elaboradas!

    Feliz 2011!


    http://cidinhacatolica.blogspot.com

    ResponderExcluir
  3. Então, nem foram ao mar? De qualquer forma, o Tom não iria se empolgar com a ideia...Bom, concordo com a Salsa: fogos são idiotas.
    Depois deste banquete de ideias e palavras, vou me contentar com meu pratinho de lentilha e alguns grãozinhos de romã. Não posso me queixar, mesmo sem soltar fogos, 2011 começou arrebentando... Viva!

    ResponderExcluir
  4. João Parabéns!
    sabe que me senti no meio da festa de vocês.
    Feliz 2011 para meus adoravéis Amigos.

    ResponderExcluir
  5. Oi João, achei muito interessante!!!! Sabe que quase entrei no clima. Vc é muito criativo mesmo!!!
    Um 2011 com muita PAZ para vcs,
    Bjs
    Glória

    ResponderExcluir
  6. Que bacana!
    Meu blog tá começando a dar quórum.
    As meninas, os sacis e o Tom estão de nariz empinado com esses elogios. Se sentindo astros.
    Eles agradecem.
    Beijos a todos.

    ResponderExcluir
  7. Olá João

    Concordo com todos vocês. Esse negócio de fogos não está com nada e achei a idéia de pipocar apenas luzes muito boa. Agora o que eu mais gostei foi do clima da sua casa. Deu vontade de conhecer todo mundo, as cadelas e os sacis.
    Adorei seu estilo, me manda aquela poesia sim.
    beijos
    Lilian Lovisi

    ResponderExcluir