A Lisa vive um momento especial em sua vida. A “CiadeEros”, grupo de teatro da cidade de São Roque, formado por adolescentes e dirigido por ela, tem se destacado na região com a peça “Era uma vez”, pois essa montagem ganhou o direito de representar a cidade de São Roque no Mapa Cultural deste ano; foi selecionada para se apresentar no Festival de Teatro Livre, organizado pela Associação Teatral de Sorocaba; e acabou de ser selecionada para participar do Festival de Teatro do Sesi de Sorocaba. Além desse fato, Lisa anda muito orgulhosa com os prêmios que o ator mairinquense Lélis Andrade vem recebendo nos festivais que participa, atuando no grupo de teatro da Faculdade de Artes Cênicas de Salto, pois ela acabou sendo decisiva para que Lélis escolhesse, acertadamente, a profissão de ator.
Aliás, todos lá de casa estão em festa e muito orgulhosos com as performances da “CiadeEros” e com as conquistas do Lélis. Esses meninos e meninas são os filhos que não tivemos biologicamente e vivem em casa, portanto, as cadelas, os sacis e o Tom também os consideram da família.
Fiz esse preâmbulo pra contar que a CiadeEros trocou todo o figurino da peça por um novinho e belíssimo, desenhado por Marco Lessa e confeccionado pela Chiquita, minha sogra, e o figurino antigo está guardado no quartinho do fundo, lá em casa. Como já disse pra vocês, os sacis contam detalhadamente pras cadelas e pro gato tudo que assistem e de uma forma que eles acabam tendo acesso às imagens e som dos espetáculos. Fizeram isso com o espetáculo “Era uma vez” e a turma ficou muito emocionada com a história de João e Maria Ninguém, alguns até choraram com o fim da história; riram muito com a Fulana, a Beltrana e a Sicrana, bem como, com as duas velhinhas; ficaram com raiva do Tenente; e odiaram o senhor Poder.
Esta semana, estávamos arrumando a cozinha do jantar, quando o casal de sacis, Maracatu e Lambada, nos informou: “Vocês estão convidados a, em dez minutos, assistirem o espetáculo teatral ‘E viveram felizes para sempre’, encenado pela ‘CiadeAfrodite’, na passarela do quintal.”
Deixamos a cozinha para o outro dia e fomos para o quintal.
As cadeiras foram colocadas no gramado dos dois lados da passarela, direcionadas para o centro, na circunferência maior do piso. Platéia lotada. Estavam todos os gatos da vizinhança, curupiras, sacis, iaras e boitatás. Dois lugares reservados para nós.
A Lambada dirigiu a peça e Maracatu fez a sonoplastia e a iluminação. Importante ressaltar que os sons vinham de algum lugar, que não identificamos e que Maracatu fez questão de não contar, e a iluminação era natural. Aquela era noite de lua cheia e Maracatu, também de uma forma que não nos explicou, exercia total domínio sobre as nuvens e fazia com que estas passassem em frente à lua conforme a necessidade de mais ou menos luz e, vez ou outra, uma ou outra estrela brilhava com maior ou menor intensidade. A iluminação que a Dani Oncala fez no “Era uma vez” estava belíssima, mas a de Maracatu...
A história da peça também se passava num país fantástico, porém, nada de autoritarismo como no “Era uma vez”. Nesse país existia liberdade; direitos e deveres; não existiam políticos corruptos; as críticas eram debatidas e os elogios não existiam, porque todos tinham consciência de que fazer o certo não era nada mais do que a obrigação dos que estavam no poder; não existiam os preconceitos; enfim; todos eram tratados com igualdade. De repente, entra o Tom com o figurino do João Ninguém: bermuda, uma camisa simples e de chapéu. “Esse gato não tem jeito. Tinha que ser o protagonista.”, sussurrou a Lisa no meu ouvido. No mesmo instante, a luz de uma estrela fica mais intensa do outro lado da passarela, onde aparece, com o figurino de Maria Ninguém, a Valsa. “E a Valsa ia deixar barato?”, perguntei, também sussurrando para a Lisa. E a peça seguiu, até que entra a Rumba, fazendo três papéis: Fulana, Sicrana e Beltrana. Nessa cena, as Três Marias, as estrelas, trabalharam de verdade, porque ficavam acendendo e apagando conforme o texto fluía na boca de Rumba, que pulava de foco em foco para fazer, com competência, os três papéis. Quase morremos de rir com a Rumba, mas ainda sobrou vida para rirmos muito com as duas velhinhas: Samba e Salsa. A Samba oferecia chá e a Salsa falava: “Aceito um bocadinho.” Pra ficar mais real, a Salsa fez uma velhinha com catarata, que não conseguia acompanhar os passos da Samba. Ia sempre para a direção oposta. Percebemos que a peça caminhava para o fim, quando, ao término da cena das mocinhas, interpretadas por Rumba, Samba e Salsa, as nuvens se colocaram em volta da lua e formou-se um foco na entrada do quartinho, de onde saiu Tom, vestido de Smoking, usando gel nos pelos, e a seu lado, Valsa, de véu e grinalda. Era o casamento de João e Maria Ninguém. Logo atrás do casal, vinham Samba, Salsa e Rumba, esta última jogando arroz, e o fundo musical era a música composta por Edson D’aísa para a peça “Era uma vez”. Maracatu adorou a composição e não quis trocá-la. A surpresa ficou por conta de uma revoada de maritacas, que saiu do abacateiro do vizinho em direção da torre de celular, que fica em frente à nossa casa. O cortejo passou pela passarela sob os aplausos de todos. “E assim, viveram felizes para sempre”.
Essa peça vocês não vão poder assistir, porque a CiadeAfrodite já informou que a apresentação foi única, já que a própria arte de encenar é única, além do fato de que a iluminação estaria prejudicada, pois não se sabe quando a lua estará na mesma posição e cheia outra vez; mas a peça “Era uma vez” continua em cartaz e é necessária para todos nós. Assistam.
João Bid